domingo, 3 de janeiro de 2010

Como mel para a boca.









Esferas de Influência:
Ontologia Antropofágica, Periférica, Maravilhosa

Em 1928 o papagaio narrador atravessa o Atlântico após a transformação de Macunaíma em constelação: direcção Lisboa. Uma tradição de espera, sem dúvida.

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Em 1970, com Godard por trás da câmara de filmar, Glauber Rocha aponta dois caminhos: o mesmo ou 'um cinema perigoso, divino, maravilhoso!' A personagem escolhe um terceiro, pelo mato, sob os arbustos ao canto do plano.

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Contra José Gil, (re)colonizemo-nos.

Apresentação e conversa por Pedro Neves Marques em torno de: revisitação antropofágica; detoùrnement antropofágico (ou como a arte ganha sempre); ontologia antropofágica. Pedagogia. Estética. Geopolitização (uma vez periferia sempre periferia, ou centro é onde os meus pés pisam).



Sábado 13 de Fevereiro 18h


















Uma crítica feroz como mel para a boca. Foi assim que eu entendi as palavras ousadas, justas e urgentes de Pedro Neves Marques na sua apresentação.
Insólita e invulgar não no tom mas no conteúdo, a apresentação mapeia um conjunto de factores que tornaram um país colonializado, periférico, como um novo centro. A antropofagia não é um momento chave, mas sim a territorialização intelectual de uma força inacta ao brasileiro, de tudo aglutinar, mas também capaz de regurgitar, de ser erótico, assimilando ora o seu exterior ora o seu passado.
As manifestações artísticas, tomadas como o cartão de visita dessa emancipação do Brasil, são afinal sinal da sua própria morte, na forma como se transformam em comodidade, na forma como os artistas afinal não são mais do que soldados ao serviço do seu tempo e da sua moldura socio-política (parafraseando Ed Ruscha).
Num segundo momento, Pedro fala de Portugal, uma periferia que dimensionou por baixo a América do Sul, juntamente com a Espanha, em favor da supremacia da Europa Anglo-saxónica que projectou a América do Norte como a Nova Europa.
Passamos do plano artístico para o plano político e falamos de geopolíticas; e da forma como uma Europa a vir, terá de ser pensada através de uma comunidade da diferença, pensando na particularidade de cada periferia não como alimento ou extensão do centro mas como parte significativa de um todo, assim, contra Bolonha, contra a homogenização do todo (também contra a absorção sôfrega de tudo o que vem na Kaleidoscope ou no e-flux Journal).

Voltando ao primeiro tempo desta belíssima apresentação, que eu tento a medo passar àqueles que não foram, penso no trabalho do Oiticica e na forma como ele devolvia tempo ao espectador, ao transformar o espectador em participante/artista "começa envolvido numa relação universal com o tempo do trabalho".

A obra do Hélio que cumpriu o seu destino, nas palavras simples de Fernando Marques Penteado, que diziam muito mais- é esta a força do português do Brasil em relação ao português estático. A obra cumpriu o seu destino, ardendo no dia 16 de Outubro do ano passado, perdendo-se 90 por cento do trabalho que pertencia à família. O Hélio cumpriu-se, tornou-se gasoso, passou a movimento, imaterial; e troca-se através da respiração entre todos os organismos. A obra do Hélio fugiu dessa comodidade capitalista e da voracidade vampiresca da mediação da sua obra, imprópria para um pensamento em movimento constante.

A Portugal falta-nos encontrar esse movimento, falta-no aquilo que o Oiticica chamava de estádio Branco no branco (em alusão directa ao Malevich) que é um estado de espírito que tem a haver com essa emancipação,pois é o momento de negação de todos os estádios anteriores (neste caso da arte), rumo à invenção, e que tem tudo a haver nos anos sessenta com o rock n'roll, em que toda gente dança e encontra o seu movimento próprio, sem ser necessário uma iniciação, sem ser necessário um par.