Organizei
a recensão crítica pela importância crescente que entendo que cada texto traz a
este tema. Inicio pela hipótese da irredutibilidade da arte ao político como
defende Federico Ferrari, utilizando para isso um discurso problemático sobre
as essências. Para o filósofo e professor de Milão o fim da Arte será outro
completamente diverso da actividade política.
Ferrari
desenvolve a tese[1] de que a concepção moderna
de política e a arte moderna e contemporânea se confundiram desde a origem do
republicanismo mantendo hoje objectivos comuns. Daqui arrisca a afirmação de
que as suas essências se confundem: “Julgo
poder dizer que aquilo que deixa de existir é precisamente a distinção entre
arte e política, ou seja, na
sobreposição das duas essências, a arte tende a desaparecer na política, a sua
essência tende a coincidir com a da política.”[2]
Ferrari justifica tal ideia pelo conceito da submissão dos meios aos fins
expressa na declaração de Beuys de que “cada homem é um artista” logo animal
político diríamos nós. Tal situação cria um equívoco que funciona como que um
espartilho para a liberdade poética e por fim advoga uma separação das
essências das duas esferas: “Se a arte
tem um fim, este é uma longa reflexão visual sobre o sentido de criar imagens e
sobre o mundo que a imagem cria. A arte é a criação de imagens, a despeito de
todas as estéticas, aparentemente libertárias, mas na verdade castradoras, que
teorizam a impossibilidade de criação a favor de processos pós-produtivos de
reutilização dos códigos e de hibridação dos domínios.”[3]
Em última análise todo o discurso parece afirmar que se Arte cumprir um
“destino” que lhe será essencial mas sem chegar nunca ao l’art pour l’art, esse será também o culminar da sua efectividade
política.
O
discurso de Ferrari coloca-se em territórios difíceis de defender quando se
refugia no conceito das essências. Sabemos não existir a política, mas sim
políticas e que estas são carregadas de sobredeterminações, nomeadamente
económicas. Mais, seguindo Virno[4],
a política mundana dificilmente hoje, visa o atingir do bem comum; - antes
procura por todos os meios a obtenção e a manutenção do poder. Por outro lado a
Arte está longe de ser hegemónica e de se adequar a um discurso de essências.
Esta sobreposição de esferas, da Arte e da Política, a existir funcionará ao
nível de aproveitamentos simbióticos entre as duas esferas. A fornece conteúdos
para a necessária política cultural das elites e a esfera política sanciona e
fornece capital para a manutenção do sistema de valoração interior ao sistema
das artes. A colusão das duas esferas indicada por Ferrari nunca sucede na
generalidade; - o artístico e o político desempenham papéis bem diversos. Em
última análise, a arte ainda participa na poiésis e a política, do campo da
práxis e é aqui que se descobre o segundo aspecto a criticar na proposta de
Ferrari. Na verdade o autor nunca chega a tocar no problema da vacuidade
política das propostas artísticas ou se o faz, fá-lo recusando às artes esse
papel crítico por não ser essencial. Mas assumindo a possibilidade de existir
uma urgência para uma poética interventiva no campo político, Ferrari não assume
qualquer forma de diálogo perante a efectividade ou falta dela em tal produção.
O autor confere um pendor excessivo à importância das imagens na arte contemporânea
e esta visão, embora de certo modo aristocrática, é redutora e desclassifica
muita da produção conceptual pós-duchampiana. Mas o problema verdadeiro
transcende este último, excessivamente formal; - Ferrari falha em compreender
que é no plano do escrever do mundo, ou seja, nos modos do instituir (e não
tanto dos conteúdos), que se joga a proximidade ou distância de práticas e
esferas produtivas. Seria aqui nos modos como criam mundos que a Arte e a
Política se podem ligar numa arena comum, mas isso raramente sucede, ao
contrário do que escreve o autor, mas seria numa arena comum num regime de captura
recíproca, como referiu Isabelle Stengers[5],
e nos diversos modos de instituir, de
fazer, que em última análise se faria a diferença sensível. A política tem os
seus regimes de estética e o instituir da arte contemporânea têm, como já vimos
anteriormente os seus aspectos políticos. Isto não é uma sobreposição
generalizada.
Resta
a Ferrari uma hipótese ao assumir uma fuga para frente da Arte em direcção às
suas supostas essências: - “The most
astute art with a political edge, however, is the kind that gets under one’s
skin and festers in one’s unconscious subsequently attaining a certain critical
valence.”[6] Esta proposta de Zamundio
à guisa de upgrade à dialética Adorniana
sobre a politização da arte, restaura o apoio à proposta de Ferrari e completam
estas observações sobre o tema dos problemas relativos a uma sobreposição das
esferas política e artística. Sente-se que a anulação do artístico sentida por
Ferrari, tem as suas razões e caminhos ocultos; - será em última análise, também a falta desta astúcia subversiva
que se sente na excessiva colagem de uma poética tornada moralista, ao texto
político, frequentemente pobre; - uma poética anedótica.
[1] Ferrari,
Federico – Sobre a Essência da Arte e da Política in ás Artes Cidadãos! – Serralves, Porto, 2010, pp.103-107
[4] “politics, as everybody knows has for a long
time ceased to be the science of good government and has became, instead, the
art of conquering and mantaining power.” – Virno, Paolo – The Grammar of Multitude – Semiotext(e),
2007, Cambridge MA p.57
[6] Zamúndio, Raúl – LatinArt.com at http://www.latinart.com/exview.cfm?start=1&id=170
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