quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Crítica (1)

Este blogue nasceu de conversas entre alguns de nós desagradados com alguma da crítica de arte que se vai escrevendo nas revistas e suplementos habituais da especialidade. Este desagrado manifesta-se sobretudo sobre dois aspectos: o primeiro reporta-se ao exíguo espaço crítico e artístico português, ao limitado número de intervenientes e por consequência à impossibilidade da alternativa. O segundo aspecto é qualitativo e tem a ver com o conteúdo de muita da crítica que se vai fazendo. A criação deste espaço propõe-se no que diz respeito a alguns de nós, a enfrentar estes dois problemas. Como? Na resposta a isto define-se este projecto. Desde já afirma-se que esta resposta não pode estar contida unicamente num texto inicial. A forma de abordagem deste espaço aos eventos “culturais” que vão sucedendo com regularidade em Lisboa e no Porto será definida nas linhas e estilos próprios trilhados por todos aqueles que aqui intervierem; só e apenas deste modo. Este texto pretende dar apenas um movimento inicial a todo o processo e servir de palco a algumas reflexões pessoais sobre crítica.

Começo pela crítica. Perante um fenómeno que se configura em proposta como o são a maioria das exposições que visitamos como nos poderemos situar? O que poderemos ser? Duas situações normalmente ocorrem na escrita sobre determinado evento: a descrição e a posterior valoração. Ultimamente tem-se mesmo optado por dar valores em “estrelinhas” às exposições nos suplementos mais importantes consagrados à “cultura”. É importante como medida económica, redutora e simplificadora mas infelizmente ineficaz para satisfazer uma mínima exigência de qualidade intelectual. Esta valoração deve estar contida no texto; no modo como este evolui motivado pelo fenómeno ou evento em foco. A simples descrição das exposições que frequentemente ocorre nada mais faz do que embalar a ausência de aventura escrita em direcção ao momento redentor da valoração numérica. Outro aspecto enervante é a por vezes excessiva colagem ao próprio pensamento do artista como corolário paliativo da ineficácia crítica. Pensamos ser este estado de coisas resultantes da falta de debate aberto sobre estética, ética, política relacionada à poética. Debatem-se por vezes de modo mil vezes mais apaixonado questões de “política” institucional[1] ou de financiamento do que as fendas abertas de modo escancarado no tecido da mundividência comum por determinadas e raras obras.

Avança-se com uma hipótese; a da crítica constituir-se como uma exploração livre dos espaços abertos por um evento poético, de uma proposta, de uma exposição. Propõe-se que a crítica não sublinhe simplesmente o existente, que não tenha medo de desrespeitar o “artista”, colocando-se num lugar de experiência autónoma equivalente e outra, de reacção ao proposto, ao experimentado. A crítica constitui-se como uma forma ética poderosa de deambular pela vida em comum. Um artista também o fará no seu melhor, com outras formas e meios que não o da escrita. A crítica é mais uma forma literária, como outras. É de má literatura que se trata quando lemos maus textos críticos.

Pelo parágrafo anterior deduz-se a crítica que fazemos aqui ao estatuto profissional do crítico: a crítica ao invés de estritamente ancorada aos preceitos dominantes em ciências humanas deveria surgir da urgência, de um estado de revolta latente; ser ela própria poética. Este blogue nasce deste lugar e pretende simplesmente pela melhor qualidade possível de texto em forma e conteúdos dar corpo a esta crítica aventureira que desejámos perante a outra. Armados de palavras exactas para intervenções cirúrgicas ou de puro chumbo de caçadeira, por tudo o que vive entre estes opostos, é para se escrever a partir da actualidade de existir perante uma obra, não apenas como supostos “artistas”ou intelectuais, mas muito para além disso, como pessoas trespassadas pelo desejo do poder pensar em acto, experimentado em escrita. Por outras palavras e simplificando; o espírito do que se pretende é o da livre experimentação e do ensaio e simultaneamente da pluralidade de pontos de vista e estilos perante ao que vulgarmente e por conveniência designamos por “arte”. Pretendemos para além da informação básica e essencial existente em qualquer projecto deste tipo, tornar sensível ao entendimento o que julgamos ver dos espaços que se abrem por cada novo acto.


[1] Como se verificou recentemente na barafunda criada com as nomeações para a representação portuguesa para a Bienal de Veneza

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