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Fundação Carmona e Costa - Até 31 de Janeiro.
Ilya Kabakov - Münster 1997
Um pequeno ensaio sobre Design e política, bem construído, que vale a pena ler no blogue The Ressabiator por Mário Moura, autor do recente e infelizmente esgotado Design em Tempo de Crise.
O ensaio utiliza o modelo de análise pós-colonial, não como habitualmente se faz, aplicado ao mundo subdesenvolvido, mas à própria paisagem urbana portuguesa. Moura justifica esse uso pela auto-representação da natureza periférica deste território e adianta; “Ao longo deste texto, procurou estabelecer-se o esboço de um modelo alternativo para uma teoria crítica do design em Portugal, fortemente inspirado na Teoria Pós-Colonial. A aplicação desta área de estudos ao design português pode parecer inusitada” - Não constitui para nós uma surpresa a utilização do modelo crítico pós-colonial aplicado ao design. Faz aliás, muito mais sentido do que a sua ligação às artes plásticas, dadas todas as incidências políticas e sociais que possui a pratica do designer (arquitectos incluídos) no quotidiano. Nas artes todo o discurso mantêm-se sempre rigorosamente dentro dos parêntesis do mundo da arte.
O artigo desenvolve então uma crítica aos modos de tradução dos modelos de vanguarda ou teóricos (centro) quando aplicados a um contexto local de clientelas, hábitos adquiridos, morfologia e clima (periferia) e é este o tema central do ensaio. Observando os exemplos portuenses da arquitectura de Siza e Souto Moura confrontados com a casa da música de Koolhaas e um exemplo de design gráfico, Mário Moura conclui a defender uma prática do design a intervir sobre o local, incidindo a sua atenção crítica, mediante a compreensão da dialéctica centro-periferia. Esta critica centrar-se-à sobre o acto de tradução ou adaptação dos objectos oriundos de um "centro", de modo a que possa essa inserção constituir um choque clarificador e por isso socialmente progressivo. A atitude a tomar pelo designer será então, contra a prática corrente de ocultação, a de reproduzir localmente os “embates” entre centro e periferia. A chamada à participação das populações periféricas neste debate ficaria assim assegurada.
A ideia entusiasma - e fá-lo justamente por ser mais uma chamada à intervenção de uma classe profissional de enorme responsabilidade política e que tem andado longe de estar à altura do desafio. Entusiasma tambem por devolver à deambulação pública o hábito do projectado. Por outro lado esta ideia de choque faz-me lembrar o centro de uma cidade como Hanôver, destruída a 80% e onde se construiu na aplicação de modelos contrapostos. Este processo tem um lado visualmente problemático e esse é um problema das cidades alemãs. Roterdão, a cidade de Koolhaas é outro exemplo. Claro que aqui não houve periferia; apenas a urgência do wiederaufbau (reconstrução).
Sabendo que MM não se refere a este tipo de arquitectura, recordo aqui, no entanto e pensando na casa da música, um artigo de Hal Foster sobre aquilo a que chamava billboard architecture a propósito de Frank Ghery. Referia-se ao chamado efeito Guggenheim e sobre um certo tipo de arquitectura para ser vista mais do que percorrida e que funciona como uma mais valia turística numa cidade enegrecida pelas industrias pesadas ao longo do rio que a atravessa. "Thirty years ago Guy Debord defined spectacle as ‘capital accumulated to such a degree that it becomes an image’. With Gehry and other architects the reverse is now true as well: spectacle is an image accumulated to such a degree that it becomes capital." (Foster)
Entre Chien et Loup é o nome da exposição presente até 7 de Março na galeria Caroline Pagès, por iniciativa da própria galerista e de Miguel Branco. A4 É o nome da colectiva que Rui Brito apresenta na galeria 111 até 21 de Fevereiro. Ambas mostram quatro artistas e maioritariamente “pintura”.
A galeria Caroline Pagès é modesta situada num apartamento em Campo de Ourique e sem muito espaço. A exposição no entanto surpreende: O título refere-se a uma expressão coloquial em francês do género de “de noite todos os gatos são pardos” mas desta feita aplicada ao crepúsculo. A transitoriedade proposta pelo título na diferença entre dois animais sente-se de facto no espaço aberto, não apenas entre formas expressivas, mas entre os temperamentos extremos presentes, o que permite ao espectador de efectuar múltiplos jogos de leitura. Formas diversas de simbolismo são de resto a marca que une os trabalhos.
Miguel Branco (1963) apresenta-nos uma série de pequenas pinturas, do tipo a que nos tem habituado desde há muito. Um pequeno cão parece saído do lado do malogrado Carlos I pintado por Van Dyck para preparar um salto para os colos de todas essas senhoras que faziam a clientela de Reynolds, Lawrence, Raeburn e outros. Há algo na pintura de MB que a afasta do simples exercício à maneira deste ou daquele. Com uso destes “quase nada” ou extras, constrói um universo entre a pintura que foi e a que poderá ser: um limbo ou uma ante-câmara. Uma inquietante pequena carcaça de morcego realiza uma passagem inteligente para uma obra distantíssima da sua; de Manuel Ocampo (1965), o grande nome da exposição, podemos ver uma dúzia de desenhos entre as masmorras e a necrofagia. Numa sala isolada estão três telas de Rudolfo Bispo (1981) que não surpreendem mas cuja ironia expressa o coloca como elemento de ligação interna entre os três discursos mais pesados. A exposição ganha leveza por aqui.
A grande surpresa da exposição é a produção gráfica do jovem licantropo francês Jean-Xavier Renaud (1977). Completamente trash trabalhando sobre papel utiliza as mais variadas estratégias, materiais e sensibilidades gráficas; ora mais ilustrativo e transparente ora selvático, próximo da tradição CoBrA. Um gozo iconoclasta pelo absurdo é a marca dominante do seu trabalho. A peça central do dispositivo é um enorme e sádico caçador a visar sabe-se lá que adorável roedor no meio da relva.
A exposição A4 na galeria 111 nada traz de surpreendente ou extraordinário com os trabalhos da autoria de Ana Vidigal, Francisco Vidal, Rigo e Fátima Mendonça. A relação entre os quatro autores nada revela para além das suas diferenças. Apesar das intenções curatoriais que o galerista exprime na press release, o exposto parece corresponder mais a intenções comerciais do que a qualquer propósito temático ou outro. Então porquê falar-se em curadoria? A dúvida fica. É uma excelente ideia as galerias utilizarem os seus próprios recursos para fazer mais do que bons negócios. A pequena galeria de Campo de Ourique teve de recorrer a autores exteriores para conseguir transmitir uma ideia. A 111 tem imensos recursos internos a esse nível, com os quarenta anos de história que tem. Tem artistas excelentes e uma responsabilidade a manter. Teria de ter feito muito mais e mesmo sem um grande esforço, isto se quisermos levar a sério as intenções curatoriais do seu galerista. Aquilo que acabaria por não ser muito mais que uma accrochage a quatro, acaba por se notabilizar negativamente por se ensaiar ser mais do que isso.