sábado, 11 de dezembro de 2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Positivo

É talvez a palavra que consigo encontrar para a edição da Arte Lisboa, que acabou ontem, Domingo.

Por outro lado sentiu-se algo que se esperava: a ausência de riscos, "factores surpresa" e alguma ansiedade relativamente às vendas atingidas na feira.
No entanto, a avaliar pelas indicações de reserva em cada um dos stands, essa diminuição de risco e a qualidade geral da feira não foi indiferente aqueles que continuam a apreciar arte e têm disponibilidade económica para a comprar.
Justifica-se. A qualidade dos espaços de exposição era apelativa; a selecção das obras, tanto por artistas como galeristas era em geral bastante boa.
Houve o cuidado de se fazer uma selecção diversa tornando cada stand num lugar bastante ecléctico - quando visto de um ponto de vista positivo ou optimista (mais do que uma leitura poderá ser feita).

Faltou no entanto o "ponto de encontro".
Normalmente esse espaço existia em forma de conferências. Este ano não foram realizadas.
Em parte, imagino, para que se evitasse o cair em discursos miserabilistas, quando nos stands se tentava demonstrar justamente o contrário: que o mercado estava vivo e está para ficar, apesar das contrariedades.
Este ano optou-se por manter apenas os Projectos - comissariados por Filipa Oliveira.
Se o risco calculado nos stands das galerias é compreensível, dadas as condições do mercado, já nos Projectos esperava-se que pudessem criar alguma margem de possibilidades não calculadas; com alguma irreverência, não bastando reproduzir a mesma ausência de risco verificada no andar inferior. Por outro lado, compreende-se. Embora o espaço do Terraço seja agradável ao visitante oferece algumas limitações e impede a realização de um arranjo muito diferente do que foi possível realizar.
De salientar ainda a participação da Inc, loja especializada em edições de arte e de artistas, onde se destacavam as obras de Pires Vieira e Miguel Palma; sentiu-se no entanto a falta de outras obras ou projectos, que têm estado activamente a talhar a face artística nacional. A pergunta é se ali seria exactamente o melhor espaço, para o fazer?
Deve o mercado operar como entidade autónoma, ou será igualmente necessário que outros projectos como espaços dito alternativos e de pesquisa artística pudessem fazer parte da mesma iniciativa?

Ainda assim, a escolha da organização da feira relativamente ao Pavilhão da Antiga FIL revelou-se acertada. O desenho dos stands e a ocupação do espaço não deu lugar a espaço supérfluo tendo sido bem aproveitado pelas galerias participantes.

Voltando ao "andar de baixo", todas ou a maioria das galerias activas portuguesas estava representada. Pena é, que "antigos diferendos" ainda afectem a não participação de algumas galerias nacionais. É um impacto que dificilmente poderá ser medido, mas que deixa algumas marcas de desconfiança sobre o próprio mercado de Arte Contemporânea, por eventuais compradores. A bem desse mercado, que no fim diz respeito a todos, seria de todo o interesse que essas divergências pudessem ser ultrapassadas.

Finalizando, ainda que a situação económica actual não seja a mais favorável, a organização, bem como as galerias que participaram e os artistas que representados provaram que é possível realizar um evento deste género no país e ainda atrair visitantes e eventuais compradores.
Mesmo que as vendas da feira não sejam representativas para os directamente envolvidos, espero que estes dois últimos factores mencionados possam continuar a manter as suas expectativas.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Open Studios - 19 a 22 de Novembro, 2010

Á semelhança do que acontece em outras cidades do mundo, em que a comunidade artística abre portas aos outros cidadãos, a Associação Castelo D'If está a promover em Lisboa um circuito de Open Studios de alguns artistas, que vivem e trabalham na cidade.

É uma oportunidade para todos os que procuram ter um contacto mais directo e próximo da produção artística, não mediado, como é costume, por outros factores de interesse, como por exemplo, o comercial.





Mais informações em http://assoc-castelodif.pt/pt/brochure

The show must go on...

Sinto muito que o Hugo Canoilas tenha deixado de colaborar com este blog e que este espaço esteja um pouco adormecido. Faço um "mea culpa", também, pois como colaborador é talvez a primeira ver que participo nele.

Não querendo entrar em restrospectivas e tentanto ser o mais breve possível, o Infinito ao Espelho trouxe para o grande público, um espaço de partilha criado e gerido por artistas abordando vários aspectos relacionados com a prática e exposição de Artes Visuais. Tem sido igualmente um espaço de reflexão e desafio intelectual, sem no entanto ter alguma pretenciosidade associada.

Como tal e por continuar a sentir que a imprensa escrita não consegue, nem tem condições para cobrir vários aspectos relacionados com as Artes Visuais no panorama do país é imperativo que este espaço não fique por aqui.

Espero poder contribuir para que mais pessoas possam abraçar o projecto.

É certo que não estou a vislumbrar uma grande adesão, visto que devido à nossa dimensão social, a maioria de nós avalia bem antes de tomar posições ou de se comprometer com situações, visto que pode estar a fechar um "leque de oportunidades" presentes e futuras.
É talvez esse o maior desafio que vejo para o Infinito ao Espelho, enquanto espaço de reflexão.
Penso ser impossível falar-se de Arte, Política e "espaço de reflexão" e ser-se ao mesmo tempo um agregador total de todas as opiniões e desejos.

A Arte e todas as opiniões devem ser emitidas como tentativas. Não existe uma verdade absoluta e o blog é um terreno especialmente fecundo para o debate de opiniões diversas. Só precisa de ser gerado, motivado, como um desafio.
Será esse o meu compromisso.

The show must go on!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Fim


Estimados leitores,
Decidi parar com a minha contribuição para o blogue.
Um abraço a todos,
Hugo

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Ana Cardoso - 8 monocromos na Galeria Reflexus


Um monocromo - ou neste caso um policromo - não representa nada. Se um monocromo pretendesse nomear algo, teria de ser nomeado de outra coisa.

Um monocromo é uma coisa no mundo.

Um monocromo vem ao mundo para criar uma revolução no sensível do humano, criando uma nova plataforma de entendimento do Outro, porque é mais uma coisa no mundo e não a substituição/representação ou mediação de algo pré-existente; E sobre toda a história do monocromo, conta apenas dizer, que o monocromo não é um fim em si mesmo, no sentido em que não é um objecto, mas sim uma plataforma ou estádio. Um monocromo é um planalto!

O estádio do monocromo é aquilo que Oiticica refere a estádio branco sobre branco (Malevich) e por analogia ao Rock em Roll: um ponto de passagem para o homem se autonomizar, tomando uma direcção livre.

Os oito monocromos que Ana Cardoso dispõe na galeria Reflexus são essa passagem. A pintura feita entre o sensível e o racional passa a ser feita por um corpo ultra sensível. E é aqui que se encontra o cordão umbilical a Blinky Palermo, usufruindo do poder de manusear e ser manuseada pela pintura, de constituir discurso através da descoberta de uma gramática própria à pintura e de um abecedário formado por silêncios 1. A repetição 2 do monocromo é essa forma de constituição de discurso , que neste caso é um discurso interior, e que só pode ser manuseado por esse corpo ultra sensível, onde a inteligência sensível e a inteligência racional se juntam.

A arte volta ser uma coisa interior que necessita de se tornar exterior e a pintura volta a ter um corpo para a receber.

1 e 2 - Soren Kierkegaard,“A repetição”; Trad. José Miranda Justo, Ed. Relógio d' Àgua, 2009.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

Paulo Nozolino recusa prémio AICA

COMUNICADO

Recuso na sua totalidade o Prémio AICA/MC 2009 em repúdio pelo comportamento obsceno e de má fé que caracteriza a actuação do Estado português na efectiva atribuição do valor monetário do mesmo. O Estado, representado na figura do Ministério da Cultura (DGARTES), em vez de premiar um artista reconhecido por um júri idóneo pune-o! Ao abrigo de “um parecer” obscuro do Ministério das Finanças, todos os prémios de teor literário, artístico e científico não sujeitos a concurso são taxados em 10% em sede de IRS, ao contrário do que acontece com todos os prémios do mesmo cariz abertos a candidaturas.

A saber: Quem concorre para ganhar um prémio está isento de impostos pelo Código de IRS. Quem, sem pedir, é premiado tem que dividir o seu valor com o Estado!

Na cerimónia de atribuição do Prémio foi-me entregue um envelope não com o esperado cheque de dez mil euros, como anunciado publicamente, mas sim com uma promessa de transferência bancária dessa mesma soma, assinada por Jorge Barreto Xavier, Director Geral das Artes. No dia seguinte, depois do espectáculo, das luzes e do social, recebo um e-mail exigindo-me que fornecesse, para que essa transferência fosse efectuada, certidões actualizadas da minha situação contributiva e tributária, bem como o preenchimento de uma nota de honorários, onde me aplicam a mencionada taxa de 10%, cuja existência é justificada pelo Director Geral das Artes como decorrendo de um pedido efectuado por aquela entidade à Direcção-Geral dos Impostos para emitir “um parecer no sentido de que, regra geral, o valor destes prémios fosse sujeito a IRS”.

Tomo o pedido de apresentação das certidões como uma acusação da parte do Estado de que não tenho a minha situação fiscal em dia e considero esse pedido uma atitude de má fé. A nota de honorários implica que prestei serviços à DGARTES. Não é verdade. Nunca poderia assinar tal documento.

Se tivesse sido informado do presente envenenado em que tudo isto consiste não teria aceite passar por esta charada.

Nunca, em todos os prémios que recebi, privados ou públicos, no país ou no estrangeiro, senti esta desconfiança e mesquinhez. É a primeira vez que sinto a burocracia e a avidez da parte de quem pretende premiar Arte. Não vou permitir ser aproveitado por um Ministério da Cultura ao qual nunca pedi nada. Recuso a penhora do meu nome e obra com estas perversas condições. Devolvo o diploma à AICA, rejeito o dinheiro do Estado e exijo não constar do historial deste prémio.

Paulo Nozolino

1 de Julho de 2010



sábado, 22 de maio de 2010

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Sonic Youth, Lisboa 22 de Abril de 2010

O concerto de Sonic Youth, em Lisboa, acabou com duas guitarras e um baixo apontados perpendicularmente aos amplificadores.
O feedback construiu uma nuvem ácida que nos tomou conta do corpo e dos orgãos. Abandonadas sobre os amplificadores, as guitarras continuaram a produzir uma ressonância que preencheu o espaço até que as luzes se acenderam; quando um membro do staff desligou os amplificadores, um a um, empurrando-nos para fora.
Um pequeno som continua na minha cabeça - o som visual dos dois targets de Jasper Jonhs pintados nos amplificadores de Lee Ranaldo.

No cenário, pobre no mais belo sentido da palavra, lençóis com corpos delineados a fogo em homenagem a Yves Klein são prevertidos por um jogo de luzes, que os retiram do imaterial. É uma arte sensorial, que nos lavra o corpo, que nos toca como uma bateria. As dissonâncias que nos agarram à história, do Schoenberg ao Cage, retornam a um rock emotivo. Parecem querer gritar, que estão ali, que estão atentos ao mundo e nada contentes com este. Que ainda acreditam que o podem mudar, ou que não se dão por vencidos.
Há arte que não é para meninos.
Esta era frase que me atacava após o concerto. Saí dali sem palavras e sem capacidade para organizar discurso. Telefonaram-me a convidar" para um copo" e a dizer "ganda concerto!", o que ainda me atordoou mais.
Sei que tinha de assinalar este acontecimento, que tinha que escrever ainda que não soubesse como o fazer. Estamos a presenciar que afinal não se envelhece e se desiste. Não passamos os 50 e passamos a cuidar apenas do quintal (conceptual) que construímos na flor da nossa juventude e no auge da nossa condição activa. Há mais e a evolução orgânica dos Sonic Youth, presenteia-nos também com essa possibilidade.


terça-feira, 27 de abril de 2010

Billy Childish


Hangman Communication 0001
7.7.1997

Crimes of the future: The role of the artist against
conceptualism and the idiocy of ideas.
1. Good taste is fascism. "Either all are special or none."
2. It is the artist's responsibility to smash style.
3. Artistic talent is the only obstacle.
4. We must embrace the unacceptable in all spheres.
5. We use the tough language that only children can
bear.
6. Art is made to impress, but we are not in awe.
7. Artists don't laugh in case the mob should discover
that they are pathetic.
8. Western art has been stupefying its audience into
taking the position of an admiring doormat. We, at
Group Hangman however, intend to wipe our
mud-encrusted boots on the face of conceptual
balderdash.
9. Fashion and its role in art. The artist as social
terrorist or on the pay-roll of the conservatives and
the Saatchi's ?
10. Art can achieve nothing.
11. The negative and bogus posture of being positive.
To like something or 'be positive' has always been
held up as a laudable attribute. We, at Group Hangman
however, believe that it takes consciousness and
intelligence to dislike something. As if being a fan
of some moronical half-wit artist or musician is an
achievement. How often in life have we met 'a fan' who
by their violent devotion to the god-like status of
their chosen infatuation is really only puffing up
their own shabby ego and trying to allude to some vast
expansion of their pathetic brain.
12. The conceptual artist arrives on the scene and
frozen with fear, like some anal retard, is too scared
to transmute their ideas into paint and commence a
string of unacceptably pathetic canvasses and thereby
experience themselves as crap. It is essential for
every artist to paint a succession of unacceptably bad
paintings.

SUMMARY OF COMMUNICATION 0001
People have allowed themselves to be robbed of their
child's right to paint by giving up their power to
communicate to the pathetic professionals. We at Group
Hangman denounce the violence of the so-called
'professionals' and stand firm by the rights and
laudability of the intrepid explorer. In short the
critic without and within must be smashed and trampled
underfoot. Above all else we uphold the individual's
right to remain ignorant.


mais informação em www.billychildish.com
e
http://www.ica.org.uk/23887/Talks/Billy-Childish-in-Conversation-with-Matthew-Higgs.html

domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril de 2010


Na minha última estada em Itália, e em conversa com outros artistas e curadores italianos, tornou-se claro que a relação histórica com a arte, que toma a atenção de muitos artistas da Europa do Sul, é suprimida pela concepção anglo-saxónica da arte contemporânea.
A arte contemporânea na sua construção rizomática, coloca tudo à tona, com o mesmo valor, criando um entendimento estético, da superfície, negando uma progressão intelectual, a partir de um conjunto de dados adquiridos no passado, que nos dão um certo grau de responsabilidade e um certo grau de liberdade.
Por outro lado em conversa com uma amiga, do mundo da arte, que tem esse modo de pensar anglo-saxónico foi-me dito que as revoluções não servem para nada.
O nosso barco continua à deriva.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Não um comentário, uma 'companhia'

Oportunismo + Cinismo.

Dois traços apontados por Paolo Virno como essenciais para o niilismo de uma época pós-Fordista, flexível, imaterial – ou pelos menos para a transição.

Oportunismo + Cinismo.

Irrupção do discurso tardio da Autonomia e da sua obsessão pela transição de uma maquinaria Fordista para pós-Fordista, pela precariedade gerada, mas por igual pela oportunidade surgida. O que é mau é também bom, o que oprime liberta por igual. Dizia Foucault:

Q: Let's return to your politics in The History of Sexuality. You say: "Where there is power, there is resistance." Are you not thus bringing back this nature which a while back you wanted to dismiss? MF: I don't think so, because this resistance I am speaking of is not a substance. It is not anterior to the power which it opposes, It is coextensive with it and absolutely its contemporary. Q: The reverse of power? That would come to the same thing. Always the cobblestones under the beach... MF: It isn't that either. For if it were only that, it wouldn't resist. To resist, it would have to operate like power. As inventive, mobile and productive power. Like power, it would have to organize, coagulate, and solidify itself. Like power, it would have to come from "underneath" and distribute itself strategically. Q: "Where there is power, there is resistance." It's almost a tautology. (1)

Diz Paolo Virno:

In the post-Ford era mode of production, opportunism acquires a certain technical importance. It is the cognitive and behavioral reaction of the contemporary multitude to the fact that routine practices are no longer organized along uniform lines; instead, they present a high level of unpredictability. Now, it is precisely this ability to maneuver among abstract and interchangeable opportunities which constitutes professional quality in certain sectors of post-Fordist production, sectors where labor process is not regulated by a single particular goal, but by a class of equivalent possibilities to be specified one at a time.
+

Cynism is also connected with the chronic instability of forms of life and linguistic games. This chronic instability places in full view, during labor time as well as during free time, the naked rules which artificially structure the boundaries of action (...) one is no longer immersed in a predefined "game", participating therein with true allegiance. Instead, one catches a glimpse of oneself inside individual "games" destitute of all seriousness and obviousness, having become nothing more than a place for self-affirmation (...) (2)

Entretanto, Pascal Gielen lançou recentemen uma colecção de ensaios: The Murmuring of the Artistic Multitude. Global Art, Memory and Post-Fordism (3). Dispensado aqui a crítica literária, os ensaios de Gielen - para mal e para bem, ressaltando uma vez mais e como não poderia deixar de ser a ambiguidade entre o que é bom e o que é mau - murmuram eles mesmos também. Isto é, prometem mas não gritam. A reverberação é escutada ainda assim: o meio cultural e artístico é o perfeito acolhedor da exploração da flexibilidade laboral e da biopolítica; o corpo (per)feito do paradoxo liberdade/constrangimento.

Trememos. A instabilidade, adoramo-la.

Oportunismo + Cinismo.

A verdade é que sempre se tremeu. Somos os primeiros de uma geração, de um novo homem, muito antes de Wall Street.

Oportunista e cínico, sempre o foi o artista - aos tempos remotos. Poder-se-á mesmo dizer que não fosse o artista cínico e oportunista pouca 'boa' arte existiria - muito menos resistência. O jogo de pés, o jogo de cintura, saber que não se pisam apenas os ladrilhos do pavimento - podemos ser bipolares mas não somos obsessivo-compulsivos - mas que se contornam as junções, que se fazem desvios, que se calcula, que se deturpa o Inov-art - eis enfim a justificação deste texto - para fins concretos:

- dão-nos uma secretária, logo a transformo numa barricada - já vi isso algures!
- dão-nos um balcão, construo um arquivo no reverso - a rapariga em Un bar aux Folies-Bergère de Manet é artista!
- oferecem-nos estágios como assistentes, logo fazemos a ocupação, curadoria, exposições, voz.

















Edouard Manet, Un bar aux Folies-Bergère, 1882

Saltimbancos e artistas de circo, stockbrockers e beats: a diferença é difusa.

Ainda assim, isto não é uma defesa do oportunista e do cínico, muito menos do Inov-art. A duplicidade do que é mau é bom é escutada - é o livro vermelho do artista - mas se de facto fomos os primeiros de uma geração flexível, há questões a resolver.

Um qualquer artista abraça a precariedade, vê nesta a ilusão: liberdade - e não há nada que o artista preze mais que liberdade, liberdade acima mesmo de união! Liberdade intelectual, liberdade de expressão, mobilidade, "never lay down those roots" – nem preciso mesmo de ler os Mil Planaltos, sei-o no corpo, é imanente! O resto é acaso e um controlo exímio do oportunismo e do cinismo inerente à profissão. A queda pode ser sucesso e o sucesso queda, é uma questão de tempo – e dos tempos também.














Oliver Stone, Wall Street, 1987


Mas de facto, é de uma profissionalização que se trata e é essa a dobra. Há sem dúvida aqui algo por perscrutar: posições e posicionamentos. O artista não quer contracto, mas quer segurança – financeira acima do mais. O artista não quer constrangimento, mas não quer por igual ser explorado – horário flexível e indistinção entre lazer e trabalho estilo 24/7, ou defesa do horário laboral, em que ficamos?

Um relato: ela disse, naquele sotaque tocado de inglês indiano, "I don't want to be like them" - o them apontado o artista de ou no mercado. Mas que them é esse a que ela se refere, pensei. De onde surgiu a interrogação, após a consciência do deslize no qual ela acabara de incorrer e de um ligeiro embaraço a acompanhar: que momento foi esse no qual passámos a separar as águas como facções - irreais, acrescente-se - entre aquele no mercado e o suposto exterior - sempre o integro, monarca da ética e da demagogia. Quando se deu? Uma resposta deu-se depois – não necessariamente a correcta, se esta existe – em conversa e num sotaque diferente, forçadamente inglês de um estrangeiro: "O momento não foi um momento, mas uma adequação: a profissionalização do artista."

A resposta é uma sombra, ou pelo menos tanto como uma suposição. Mas se há algo a criticar então no programa do Inov-art - no que se refere a artistas em sentido amplo - é essa consciência ou prolongamento de que é necessário profissionalizar, se ser artista é uma profissão. Mas em contrapartida a completa falta de noção do que essa profissionalização do artista enquanto programa cultural e de apoio deve fazer. Enviar artistas enquanto assistentes? Óptimo, o artista é oportunista e cínico, já se o disse: há uma criatividade latente e o detoùrnement é um clássico garantido. Mas não fará mais sentido apoiar antes a produção criativa do artista, de estruturas dentro e fora do país, facilitar acessos a residências artísticas, a realização de projectos específicos? O Inov-art é um instrumento do Estado reflectindo bem a distância existente entre este e a realidade dos agentes culturais. Para mais, o Inov-art é uma estrutura homogénea - mas, dado o elevado número de candidaturas a este, aparentemente hegemónica também - sem trabalho a nível micro do que cada área cultural é e exige. Mas por outro lado, se a DGartes em si mesma enquanto estrutura homogénea é uma desilusão que seria de esperar?

Ser artista pode ser uma profissão - continuo a ter dúvidas - mas se assim for um é profissionalmente artista: não assistente de exposição ou empregado numa instituição ou residência artística - encontrando-se em residência não enquanto artista mas enquanto empregado. O que é preciso compreender é como o artista não é nada disto, mas que o é também. Por outras palavras, que o campo é aberto e que nas artes as intenções dos agentes são dúbias e específicas a cada caso – sou artista mas desejo ir trabalhar enquanto assistente porque é por aí que o meu trabalho se desenvolverá; sou artista mas quero trabalhar no campo académico porque é por aí que o meu trabalho se desenvolverá; sou artista e quero uma residência artística porque quero um estúdio; sou artista e não quero nada senão que me apoiem a realizar a visão que tenho. Para lá do artista [curadores, historiadores, etc] as variações são outras mas não radicalmente distintas. Caso o apoio – da DGartes/ Inov-art ou qualquer outro – não tome conta da pluralidade que é hoje o campo das artes, pouco restará senão, e como referido no texto abaixo, a aplicação de um Fordismo ao agente cultural que (aparentemente) falhou numa procura desesperada pela sua inserção no mercado de trabalho – reduzindo deste modo os números num país em crise.

Oportunismo + Cinismo + Profissionalização

Dobras dentro de dobras. E no entanto, uma dobra imprevista irrompe do processo do Inov-art: a dobra do artista enquanto curador - não profissionalmente mas conceptualmente. O artista enquanto gerador de conteúdos, de plataformas, facilitador. O artista que vai é oportunista e cínico, mas será ele inteligente o suficiente para contornar e aprender com as oportunidades que lhe são dadas: com ser secretário, ser assistente? É uma questão lançada àquele que volta.

Um último relato: Dois bagels na mesa, um chá preto, um latte. Um certo barulho e a música não é particularmente boa mas, como seria de esperar, demasiado alta. Esforço-me, “Bem sei que o precário sistema de estágios não remunerados sustenta todo o campo da produção cultural e artística. Que se não fosse esta realidade de exploração não haveria campo, e que se de um dia para o outro esta exploração cessasse o campo em si mesmo entraria em colapso. Mas se se for oportunista e cínico em boa dose, ou mesmo que não se o seja, por vezes acontece, há algo que se ganha também em ser estagiário: ganham-se contactos e relações, não? E ambos sabemos quanto estes contam.”, “Sim sem dúvida, mas ao reconhecermos isso incorremos em erro novamente.” consegui ouvir “A exploração é dupla: não só uma exploração de capital mas de expectativas. Trata-se sempre de expectativas. É assim que se os ganha e que se vê os coelhos pular.”















bagel and latte, algures, 2010


(1)Michel Foucault, em Foucault Live, Collected Interviews 1966-1984 (Semiotext(e), 1996)
(2)Paolo Virno, A Grammar of the Multitude (Semiotext(e), 2004)
(3)Pascal Gielen, The Murmuring of the Artistic Multitude (Valiz, 2010)

quarta-feira, 31 de março de 2010

Braço armado!

Entrei pela primeira no IAC - Instituto de Arte Contemporânea, em 2000. Fui chamado para falar sobre a Galeria 30 dias, projecto feito em conjunto com o Balin e o Luís Macedo, para o qual estava pedir apoio e que aconteceu em Maio desse ano.
Confesso que achei estranho toda aquela facilidade, toda aquela certeza, o modus operandi daquele instituto. Parecia irreal.
O Fernando Calhau recebeu-me de forma muito afável. Conversámos sobre o projecto; Falámos só e apenas sobre as coisas, as ideias e as questões que o projecto desenvolvia.
No IAC tratava-se de arte e os números eram entregues por escrito, para que se pudesse combinar a arte com um rigor ético, legal e financeiro. O rigor da avaliação assentava no projecto, na ideia e no seu alcance.
Lembro-me de Fernando Calhau a certa altura dizer "400 contos..."- e eu continuei a falar sobre o projecto, um pouco mais nervoso até que me interrompeu novamente com "...500 contos.", o que ficava ainda muito aquém daquilo que pedíamos e precisávamos.
A satisfação era grande - o meu primeiro contacto com o meio foi feito em conversa aberta com um artista que tanto admiro, um dos meus heróis, que me fazia trabalhar.
A satisfação era grande porque existia uma dimensão humana e artística no IAC.

No outro dia enquanto falava com um bom amigo sobre o a situação em que vivemos hoje, ele confidenciou-me que o Calhau lhe tinha dito que "quando o IAC abrir concursos não fará mais nada."
O Inovarte é o espelho do estado geral do programa do estado para as artes plásticas, que pelos vistos se estende ao cinema, embora com outros números, e por todas as outras áreas da cultura, da qual somos um parente pobre.
O Inovarte foi criado para remediar o erro que foi abrir tantos cursos de arte e design nos anos 90, sem a devida sustentabilidade - criação de público e mercado. E assim, o Inovarte trata dos que ficaram sem perspectivas de trabalho, remetendo-os para uma segunda via. O Inovarte propõe um repatriamento (e vou apenas falar dos artistas) dos artistas para gabinetes, secretarias e outros serviços que ajudem estes técnicos de um conhecimento específico a ajustar-se ao mercado de trabalho.
Nesta lógica, todos aqueles que de forma audaz quiseram transformar o Inovarte num projecto favorável à sua carreira profissional, tiveram mais dificuldades em entrar num projecto com o carácter correctivo do Inovarte.
A forma como tudo foi conduzido foi triste e mostra a distância entre os artistas e o Estado.
Mas também mostra muito bem a forma como os artistas aceitam a forma como têm sido empurrados para um canto. Eu acredito que é altura de lutar, de ganhar o nosso espaço junto às pessoas, um espaço público que é nosso e não dos placards de publicidade.




Penso que o problema fulcral da arte contemporânea portuguesa está na sua obsessão pelo seu próprio umbigo. Todos trabalham para a bolha. Enquanto cada artista não quiser tocar o próximo, na extensão do seu braço, a arte contemporânea vai continuar a perder força. Os artistas portugueses, porque trabalham num país pobre (monetária e culturalmente), deviam perceber que só e apenas serão artistas quando ganharem espaço público. Ainda assim, a primeira indicação para arte - que pretenda interagir com o outro, livre da moldura arte - será a de fazer uma arte apresentativa, que seja uma coisa no mundo, livre de qualquer retórica ou paternalismo. Uma arte que se transforme numa experiência para o outro.
- Sim , uma arte que ajude o outro a incorporar a experiência e tempo dos artistas, o que não quer dizer facilitista, ou revivalista. Antes autónoma, sem enigma, sem barreiras, que abrace o outro e o faça sentir outro tempo; Que consiga transformar o seu modo de sentir e que ofereça espaço ao corpo em luta aberta à ditadura do racional na vida contemporânea.


Isto é pura contra cultura, contra o tempo contemporâneo, contra o google e o facebook.
Se os artistas tomarem a rua ou chamarem o vizinho do lado para incorporar uma experiência, estamos a ganhar espaço; Estamos a ganhar tempo e a transformar a sua percepção; Estamos a ser intelectuais ao partilhar aquilo que sabemos com o outro. Na bolha da arte contemporânea, é só diz que diz! Está tudo parado; À deriva; A sorver o que cai de cima para baixo.
Ganhando espaço público, podemos , então começar a pedir uns minutos de televisão, de rádio e de jornais. Tudo em primeira mão! Sem mediação, pois arte contemporânea precisa desse espaço não só para ganhar força junto de um público alargado, mas para dar voz a um conjunto de manifestações artísticas que utilizam esses meios de expressão que têm uma pro-vocação, (seguindo as palavras do Ernesto de Sousa) para esses meios.
A arte precisa de novas testemunhas, que se tornem cúmplices, que criem comunidade entre si.
Cada vez que um artista se encerra nas quatro paredes de um espaço de exposições e não convida o vizinho do lado está criar um fosso cada vez maior entre a arte e as pessoas. Esta medida da extensão do braço tocando o próximo é a medida certa. É a força capaz de imprimir movimento no outro tocado e, ao mesmo tempo, crescer lentamente longe dos vampiros.
Para uma autonomia da arte em relação às expectativas do meio proponho que os artistas utilizem os mesmos veículos utilizados na Hungria durante os tempos do socialismo nos anos 50 e 60. Organizem-se festas, façam-se experiências num âmbito privado, sem que estas tenham que tomar posição pública. Só assim poderemos fazer uma arte mais autónoma, menos previsível e compreensível e assim, menos manipulável.
A arte precisa de voltar a ser um conjunto de forças autónomas e interiores, que não são feitas a partir de um chamamento exterior.
A arte precisa acontecer em vez de querer parecer e para tal precisa desse confronto com o outro.

terça-feira, 23 de março de 2010

O nosso espaço é seu.



Caros leitores,

Desde que publiquei o último post, na semana passada, 140 pessoas visitaram o blog.
O resultado foi que dessas 140 pessoas ninguém deixou um comentário.
Este espaço é também seu! Escrevemos não para mostrarmos as nossas qualidades (positivas e negativas), mas sim para criar discussão e iniciar um movimento, que parte da discussão aberta, da discussão de ideias, do alargamento de horizontes, nosso e vosso. O blog permite até o anonimato o que permite que pela primeira vez as pessoas poderão discutir livremente, entrando na esfera de interesse de cada um.
Todos aqueles que escrevem para este blog são artistas, que retiram tempo à sua prática para poder aumentar a oferta do que se escreve em Portugal sobre artes plásticas, que é infelizmente curto, pouco variado e acima de tudo preso pelo meio pequeno em que nos inserimos.
Propomos escrever sobre algo que gostamos, que pode ter acontecido numa garagem ou num museu, e assim, oferecer algo de positivo à comunidade artística.
Agora, falta a vossa parte.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O tempo dentro de nós

Sobre o trabalho de Filipa César apresentado no Prémio BES no Museu Colecção Berardo em Lisboa, até dia 4 de Abril.



Atravesso a sala.
De um lado, um retrato filmado; do outro, uma impressão de grande escala que regista as folhas sublinhadas de "As lágrimas amargas de Petra van Kant". As palavras sublinhadas não são para relembrar mas sim para rasurar, censurar. O não, não tem valor psicológico. As palavras sublinhadas tornam-se aqui e agora, as palavras mais fortes, activas na memória.
Do outro lado do muro, que separa a sala, está projectado um filme. Um plano fixo que se altera através das minímas variações de luminosidade, num tempo demorado.
Sentado sobre o banco sento-me (sinto-me) passivo perante o que vejo, tomado por uma experiência que se poderá aproximar do sublime, repondo a minha condição humana no mundo, denunciando que o tempo nos é superior.
O monte de sal transformado em rocha dura, atabafa um conjunto de estórias que nos revolvem a percepção de Castro Marim, através do seu enquadramento social e histórico.
Oiço vozes. Algumas conheço, outras quero conhecer. As vozes de levante trazem o calor de um tempo perdido que gostaríamos de poder viver, ou de ter sabido antes, tornando-se eróticas.
O sentido daquela montanha, que continuo a olhar e que se refaz lentamente, transforma-se. Penso em Hosukai e nas sucessivas repetições do monte Fuji e penso na cópia que no Japão possibilita ou provoca a destruição do original.
O tempo parou. Já não tenho de ir-me embora. O mundo lá fora já não consegue pôr-me a correr para lado nenhum. Estou a viver muito tempo dentro do tempo, apenas interrompido pela visão lateral do outro filme - que primeiro apelidei de retrato filmado - que se torna ainda mais erótico pela visão segura porque enviesada, que me coloca numa situação voyeurista.
Passei algum tempo entre estes dois vídeos até que o monte de sal cedeu a luz e o céu escuro.
Saí para tomar de frente o primeiro vídeo.
Existe uma liberdade redemptória neste filme que o aproxima da poesia visual e do erotismo puro. As figuras femininas moldam o topografia das salinas em dicotomia suave - duro, quente - mais quente ou quente diferente desta feita carne.
Existe algo neste filme que nos agarra psicológicamente, colando-nos ao "quadro". Primeiro, pensei numa memória curta freudiana. De forma livre, associo electivamente, as mãos sujas de negro que tocam a parte interior das pernas com o trabalho de Ana Mendieta; Noutros momentos surge-me o corpo estendido de "Etant donnés" de Duchamp e até o "Deserto vermelho" de Antonioni. Porventura, serão muitas mais as imagens que jazem debaixo deste filme.
Num segundo momento, julgo que o filme está mais próximo de arquétipos universais jungianos. O conjunto de imagens que nos pregam ao filme são imagens que já existiam antes de começarmos a tratar de arte. Estes arquétipos jungianos libertam-nos da auto-reflexividade do mundo da arte e tornam-se universais, criando relação entre um novo que nasce dentro de nós e o mundo, agarrando-nos ao mundo com mais força, devolvendo a tensão entre o humano e o mundo.
A luz de Castro Marim que desce do céu e se espelha na paisagem é esmagada pela luz que brota desses montes de sal, mantendo a luz pairante no ar. Esta luz que cega, é a luz da hipérbole, da intensificação da experiência, longe das leis, pulsional. É a mesma luz que cegou por breves momentos Monsieur Mersault em "O estrangeiro" de Alberto Camus, fazendo-o disparar aquela arma.
No filme da Filipa César dois corpos de luz média - cinzento médio e negro sombra, desenvolvem-se entre essa luz intensa que cega. Os corpos femininos em "Insert" iniciam uma relação interior: entre elas e dentro de nós; E exterior : um corpo leve e desenvolto serpenteia pela paisagem. Que se toca, que se tocam. Olham, olham também para nós, como a Virgem em "La tempesta" de Giorgione, colocando-nos dentro do quadro.
Este filme da Filipa, consegue colocar-nos lá dentro, experienciando o tempo da obra, que é o tempo cosmológico que existe em Castro Marim, mas também dentro de cada um de nós.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Como mel para a boca.









Esferas de Influência:
Ontologia Antropofágica, Periférica, Maravilhosa

Em 1928 o papagaio narrador atravessa o Atlântico após a transformação de Macunaíma em constelação: direcção Lisboa. Uma tradição de espera, sem dúvida.

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Em 1970, com Godard por trás da câmara de filmar, Glauber Rocha aponta dois caminhos: o mesmo ou 'um cinema perigoso, divino, maravilhoso!' A personagem escolhe um terceiro, pelo mato, sob os arbustos ao canto do plano.

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Contra José Gil, (re)colonizemo-nos.

Apresentação e conversa por Pedro Neves Marques em torno de: revisitação antropofágica; detoùrnement antropofágico (ou como a arte ganha sempre); ontologia antropofágica. Pedagogia. Estética. Geopolitização (uma vez periferia sempre periferia, ou centro é onde os meus pés pisam).



Sábado 13 de Fevereiro 18h


















Uma crítica feroz como mel para a boca. Foi assim que eu entendi as palavras ousadas, justas e urgentes de Pedro Neves Marques na sua apresentação.
Insólita e invulgar não no tom mas no conteúdo, a apresentação mapeia um conjunto de factores que tornaram um país colonializado, periférico, como um novo centro. A antropofagia não é um momento chave, mas sim a territorialização intelectual de uma força inacta ao brasileiro, de tudo aglutinar, mas também capaz de regurgitar, de ser erótico, assimilando ora o seu exterior ora o seu passado.
As manifestações artísticas, tomadas como o cartão de visita dessa emancipação do Brasil, são afinal sinal da sua própria morte, na forma como se transformam em comodidade, na forma como os artistas afinal não são mais do que soldados ao serviço do seu tempo e da sua moldura socio-política (parafraseando Ed Ruscha).
Num segundo momento, Pedro fala de Portugal, uma periferia que dimensionou por baixo a América do Sul, juntamente com a Espanha, em favor da supremacia da Europa Anglo-saxónica que projectou a América do Norte como a Nova Europa.
Passamos do plano artístico para o plano político e falamos de geopolíticas; e da forma como uma Europa a vir, terá de ser pensada através de uma comunidade da diferença, pensando na particularidade de cada periferia não como alimento ou extensão do centro mas como parte significativa de um todo, assim, contra Bolonha, contra a homogenização do todo (também contra a absorção sôfrega de tudo o que vem na Kaleidoscope ou no e-flux Journal).

Voltando ao primeiro tempo desta belíssima apresentação, que eu tento a medo passar àqueles que não foram, penso no trabalho do Oiticica e na forma como ele devolvia tempo ao espectador, ao transformar o espectador em participante/artista "começa envolvido numa relação universal com o tempo do trabalho".

A obra do Hélio que cumpriu o seu destino, nas palavras simples de Fernando Marques Penteado, que diziam muito mais- é esta a força do português do Brasil em relação ao português estático. A obra cumpriu o seu destino, ardendo no dia 16 de Outubro do ano passado, perdendo-se 90 por cento do trabalho que pertencia à família. O Hélio cumpriu-se, tornou-se gasoso, passou a movimento, imaterial; e troca-se através da respiração entre todos os organismos. A obra do Hélio fugiu dessa comodidade capitalista e da voracidade vampiresca da mediação da sua obra, imprópria para um pensamento em movimento constante.

A Portugal falta-nos encontrar esse movimento, falta-no aquilo que o Oiticica chamava de estádio Branco no branco (em alusão directa ao Malevich) que é um estado de espírito que tem a haver com essa emancipação,pois é o momento de negação de todos os estádios anteriores (neste caso da arte), rumo à invenção, e que tem tudo a haver nos anos sessenta com o rock n'roll, em que toda gente dança e encontra o seu movimento próprio, sem ser necessário uma iniciação, sem ser necessário um par.