quarta-feira, 15 de julho de 2009

Duas pinturas no Rijksmuseum- Amsterdão



















Rembrandt Harmenszoon van Rijn
Jeremias lamentando a destruição de Jerusalém


A figura está pintada em perfeito detalhe. Os tecidos aveludados em contraste com os metais que adornam as suas vestes constroem, em conjunto com a diferença de temperatura entre o manto e a pele dos seus pés, uma figura na qual se o rosto se esbate. A cabeça de Jeremias no seu estado melancólico  dissolve-se no fundo do quadro. 
Do ponto de vista formal, uma zona de luz limpa incide no pano inferior esquerdo estabelecendo uma diagonal  com um segundo momento , uma luz turva que incide na cabeça de Jeremias. O triângulo de luz  que compõe este quadro é fechado com um ponto de luz proveniente de Jerusalém em chamas, no lado esquerdo do quadro.
A figura fixa no detalhe ocorre como "now" constante enquanto a imagem de Jerusalém em chamas, feitas em pinceladas expressionistas, transporta-nos para um tempo passado.
Conseguimos assim nesta pintura de Rembrandt dois tempos: um agora presente e um agora  que já passou. O triângulo compositivo entre zonas de luz é absolutamente discursivo : Uma figura em detalhe para que seja  entendido como  Jeremias. Ao mesmo tempo a figura humana é dissolvida no fundo pois Jeremias será também passível de irrepresentabilidade. E uma zona em que o expressionismo da pincelada devolve o símbolo à imagem, como algo perdido ou imemorial.
As zonas densas de escuridão que balanceiam o resto do quadro são  um espaço de projecção do nosso eu.


















Rembrandt Harmenszoon van Rijn
Senhora idosa lendo, provavelmente a profeta Ana.


De acordo com o novo testamento, a velha profeta Ana passou toda a sua vida servindo Deus no Templo. Rembrandt retrata-a lendo. 
Contra um fundo negro um detalhado manto e túnica envolvem um corpo frágil . O rosto dissolve-se.
O manto vermelho é recortado por uma linha branca de luz. O vermelho é carne, efervescência material e dor.
E essa luz branca é o anúncio. Uma luz que ilumina o livro que nos é negado, que não nos é dado a ler.
A focagem, a precisão técnica no detalhe, cria uma segunda linha oblíqua, perpendicular à luz virgem porque branca. Esta segunda luz, incide sobre a mão que marca o texto - que marca também o tempo de leitura. Voltamos à sua face que se esvai no fundo, com uma leve expressão de penitência sem a possibilidade de maior envolvimento, pela menos aturada definição, que nos faz antes projectar-nos a nós mesmos sobre o informe, desistindo de ouvir  aquilo que está diante de nós.


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