quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Vestígio




Ana Anacleto

No Pavilhão 28 do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, está a decorrer uma exposição colectiva arregimentada por Carlos Noronha Feio e Romeu Gonçalves, ambos artistas. Parece ser o problema maior deste evento a ausência de programa, ou pelo menos a dificuldade de o compreender. O título “Vestígio” é mais um daqueles lugares comuns, uma palavra elástica nas suas relações infindas possíveis com o universo artístico. Sob a palavra “Vestígio” caberia toda a produção fotográfica e qualquer limiar inicial do desenho, numa primeira volta. A sua escolha, que desconhecemos se precedeu ou sucedeu à escolha dos artistas, parece de qualquer modo proceder a um adiamento de uma decisão que deveria ditar-se por relevante. Não o faz e naturalmente a resposta dos artistas representados demonstra-o. Alguns, como sucede com Carlos Correia, enfrentam o título de modo bastante (talvez excessivamente) objectivo, mas no geral, a colagem entre trabalhos e o mote da exposição, devido à natureza do último, é automática.

O “catálogo” tem as folhas em branco. É uma surpresa mas que logo a seguir se torna em mais um factor de contribuição para a sensação de injustificação geral do projecto. Se este caderno em branco tivesse sido escolhido para a actual exposição “Colectiva” patente no quarto andar do 211 da Avenida da Liberdade em torno de Pedro Morais, não seria estranho, mas neste lugar perante o que se verifica, parece mais um acto de retórica isolada. Não se crê que se trate de uma auto-ironia sobre essa mesma ausência de programa.

A exposição é um acto de rotina; não talvez para os seus organizadores, mas é de certeza na perspectiva alargada do estado de produção cultural em Portugal e isso sente-se no modo desinteressado e desinteressante como alguns dos autores presentes participaram na colectiva (veja-se o caso de Gabriel Abrantes). O facto de se escrever aqui sobre a exposição tem a ver apenas com o facto de se ter entendido como mais um exemplar de muitas outras “colectivas” que se vão sucedendo sob nomes mais ou menos pomposos mas todos eles muito abrangentes. O Romeu Gonçalves e o Carlos Noronha Feio não são “curadores profissionais” e tal facto minora toda a questão ética de faltas de actualidade patentes na mostra, mas tal não inviabiliza a necessidade de se ir estabelecendo uma crítica sobre os programas intelectuais servidos sob a forma de prato do dia.

São os autores representados os seguintes: Ana Anacleto, Ana Fonseca, Ângelo Ferreira de Sousa, Carla Cruz, Carlos Correia, Carlos Noronha Feio, Cecília Costa, Gabriel Abrantes, João Leonardo, Mara Castilho, Maria Condado, Marta Moura, Mikael Larsson, Paulo Brighenti, Romeu Gonçalves, Samuel Rama, Valter Barros. A qualidade dos trabalhos expostos, independentemente de tudo o resto e comparando com exposições anteriores no mesmo local, não sendo negativa, corresponde no conjunto à falta de ambição curatorial que os integrou.

3 comentários:

  1. Não vi e não tenho forma de visitar a exposição, mas a crítica aqui apresentada deixa-me com algumas dúvidas.
    A chamada Arte Contemporânea não é feita exactamente destes lugares comuns retratados por palavras ou conceitos "elásticos", como Lugar, Território, Sexualidade, etc?...

    Dado o contexto da Arte Contemporânea, em que é que o tema da exposição influência o eventual discurso que possa adver daí; ou como é que pode influenciar os trabalhos que a constituíram?

    Também penso que a forma como foi feita a referência aos "curadores-artistas" é um pouco condescendente com os mesmos.

    A Arte também precisa de ser um "espaço" de experimentação que busque uma evolução.
    E neste caso faz algum sentido, dado que a idade média da maioria dos participantes anda na casa dos "vintes".
    É tão mau que uma exposição se apresente como perfeita e sem capacidade de diálogo com o público (muitas vezes construída à volta de textos, referências ou mesmo comissários incontornáveis e inquestionáveis dentro do panorama artístico); como também o é, quando se sente alguma arrogância na forma como o trabalho é apresentado.
    Pela descrição, não me parece que tenha sido adoptada nem uma, nem a outra estratégia.
    A exposição parece mais uma criação de oportunidade de exposição, num espaço que é um desafio.
    Talvez o "Vestígio" esteja até directamente relacionado com o espaço expositivo e tenha servido de base para os trabalhos que foram reunidos pelos dois "curadores-artistas" (estou a especular, claro).
    Também realço o facto de o eventual problema de falta de actualidade reflecte apenas uma questão que faz parte do panorama da Arte em Portugal.
    Há um vazio que vai sendo lentamente coberto pelos museus e conferências que se vão fazendo (e que deveria ser promovido antes de mais, dentro das escolas e na generalidade dos casos não o é), mas que não é suficiente para que se construa uma consciencialização sobre o papel da Arte na sociedade Portuguesa, assim como também não influencia suficientemente o processo de produção de Arte.
    Não havendo essa reflexão, que parte de um debate, o que se poderão ver são exercícios estéticos... mas nesse caso, a crítica apresentada deveria referir isso mesmo (e em parte refere) - mas não sendo condescendente com os responsáveis pela criação desta oportunidade de discussão.

    O problema da existência, disponibilidade, apoios e tempo dos "curadores-artistas", para a produção de uma exposição pode muito bem estar na base do problema da exposição, como um todo; por outro lado não lhes tira o mérito de terem tentado.
    Também não acho que a via da condescendência seja a melhor para ajudar a construir uma próxima exposição criada pelos mesmos e que seja mais sólida.

    Em todo o caso acho que este blog faz sentido e estamos cá todos para aprender uns com os outros.

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  2. Desde já, parabéns pelo blogue. Acho que já fazia falta algo assim.
    Por falar em Curadoria... no outro dia fui até Madrid e lá nos circuitos artisticos ouvi falar de um colectivo (nem sei bem se assim se poderá chamar) chamado AntiFrame. Tinham comissariado uma exposição no Circulo de Belas Artes e agora andavam com outro projecto por lá. Fiquei curioso e pesquisei pelo nome no Google. Não é que descobri que o projecto é português??? Ah pois é. Fiquei a saber que até temos projectos interessantes que só são conhecidos lá fora. Desculpem a ignorância mas nunca tinha ouvido falar nesse projecto por terras lusas.
    Quanto a esta exposição... passarei por lá!.

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  3. Do projecto AntiFrame também não tinha ouvido falar. Obrigado pelos vossos reparos. Defendo o papel de curadoria cada vez mais relevante por "practioneers". Não quis ser condescendente e acredito nos dois promotores da exposição e na capacidade de fazerem melhor. Era um maior domínio ou gozo da autoria sobre uma determinada proposta e a eficaz transmissão de entusiasmo a um grupo, penso, o que faltou. A exposição não é má. Podia e devia ser bastante melhor. É por serem novos, todos eles, a razão desta exigência. Mas o melhor é mesmo ver a dita e tomarem a opinião em primeira instância. Obrigado pelo apoio.
    Tânia

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