
Pina Bausch morreu hoje aos 68 anos.
Ao percorrer a exposição surgiu-me imediata na memória o retrato de um romano com os bustos dos seus antepassados e por associação toda a história dos preceitos fúnebres, desde as máscaras de Fayum, ex-votos de cera, o gesso retirado das faces dos grandes homens (Beethoven, Napoleão) após a morte, para que fossem eternizados em mármore. É a fotografia a preencher hoje essa memória dos que passam.
É uma obra a um tempo tremendamente clássica e cutâneamente pessoal. Um gesto gigante.
São tremendos auto-retratos. E sente-se o homem, o florentino, o aristocrata, e o veneno da melancolia sorrir por detrás deles. Pinóquio.
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A primeira exposição, uma espécie de “Lá Fora” chamou-se “6 Pintores de Paris” e justapunha trabalhos de René Bertholo, Lurdes Castro, Eduardo Luiz, Escada, Jorge Martins e Cargaleiro. A qualidade das obras era desigual, mas em 1966 pretendia-se mostrar “uma visão de conjunto de “exilados”, que apenas no exterior, em contacto com a realidade de uma grande metrópole cultural tinham conseguido desenvolver “um mais profundo reencontro com a sua individualidade autónoma”.(Pernes, Colóquio Artes 12/1966). Seguiu-se a primeira retrospectiva de Mário Cesariny “Vinte anos de surrealismo em Portugal” e de seguida “Novas Iconologias” onde se justapõem novas vias de figuração na pintura com os muito jovens e emergentes Álvaro Lapa, Areal (menos jovem), Palolo, Batarda, Calvet, Paula Rego, Noronha da Costa, Lurdes Castro entre outros. “esta última exposição, independentemente dos seus elos mais fracos, tem como grande originalidade ter sido organizada em função de uma ideia programática que pretendia colocar em confronto a abstracção e o neo-figurativismo”. Este neo-figurativismo era então a tradução nacional da figuração Pop, da qual Palolo, Lurdes Castro, Bertholo e Batarda eram epígonos.
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Foi também na Buchholz onde Helena Almeida, Artur Rosa ou Cruzeiro Seixas realizaram as primeiras individuais. (1967). Costa Pinheiro apresentou aí a série dos “Reis”, o trabalho que mais o notabilizou. Areal expõe no seguimento do que fizera com a extraordinária “Dramática história de um Ovo”, objectos ironizando o ícone “Demoiselles” de Picasso. Em 1968, para além de uma individual de Calvet, é o Porto que está presente com Ângelo de Sousa, Jorge Pinheiro (e os seus “shaped canvases”) e José Rodrigues. Em Outubro Noronha da Costa realiza uma exposição, considerada uma das mais importantes da década, que, ao focar-se na reflexão sobre a natureza da imagem, constitui-se como uma das primeiras manifestações maduras de conceptualismo em Portugal.
Em 1969 uma nova retrospectiva, desta vez monográfica, dedicada a Dacosta. O surrealismo é então perspectivado como precursor das actuais formas figurativas. A seguir é a vez de Amadeu de Souza-Cardoso. Destacam-se desse ano as individuais dos novos artistas, Eduardo Nery e Álvaro Lapa. Em 1970, António Areal expõe em textos dactilografados montados sobre cartolinas negras, considerações sobre sociologia de arte – uma anti-exposição ou exposição manifesto. Conceptualismo rigoroso que acabou por criar escândalo. Em 1971 talvez um dos últimos grandes momentos da galeria é o surgir da revelação holística de Alberto Carneiro com “Uma Floresta para os Teus Sonhos” e o protótipo de uma arte processual, de contornos performativos e xamanistas a prefigurar já o que seria em
Foi assim, na viragem da década que o programa experimental da Buchholz iniciou o seu declínio. Naturalmente, tal sucedeu com o surgir de um fenómeno que hoje nos parece a todos natural. O mercado de arte incipiente nos anos 60 irrompeu com força no optimismo gerado pela curta primavera marcelista. Com a descoberta do ouro surgem galerias maioritariamente organizadas como projectos comerciais que têm na exclusividade com artistas o garante de uma solidez de volume de negócios. Foi esta imposição de exclusividade, aliado à então total inexistência de uma ética comercial que gerasse algum consenso (ou seja; - uma primeira eclosão de liberalismo selvagem) a impedir finalmente a liberdade de circulação e acesso aos trabalhos e contribuições dos artistas mais promissores. A Buchholz foi o último e talvez o melhor exemplo de experimentalismo galerístico em Portugal, e esta sim, com um verdadeiro programa curatorial, discutível, como o são todos os programas que claramente assumem os seus contornos e objectivos.
Em 1975 já depois da Revolução, Rui Mário Gonçalves, sem dúvida com pouco espaço de manobra, abandona a galeria à data da sua extinção. No espaço que esta ocupava foram colocados os discos e as edições de música que acabaram por fazer as alegrias de muitos melómanos de Lisboa. O resto já se sabe. A conjuntura, neste ano de 2009, acabou por tornar insustentável o próprio modelo livraria - lugar de encontro de ideias, sentimentos e modos de os exprimir - insustentabilidade representada na extinção de um dos seus melhores exemplos.
Retrospectivamente a queda do projecto galerístico da Buchholz, não foi obviamente o fim das exposições independentes ou do experimentalismo em galerias em Portugal. O papel da Buchholz foi tomado apenas e nem mais nem menos que pela Gulbenkian, a qual, após a inauguração em 1969 do seu edifício-sede, foi preenchendo metodicamente a responsabilidade e necessidade de uma programação retrospectiva sobre a arte moderna portuguesa. Independente de grandes instituições porém, tal programa não se repetiu, a não ser muito limitadamente, com os acervos próprios, pouco representativos ou orientados para a problematização, das galerias comerciais mais importantes.
A programação problemática e polemizante está hoje largamente nas mãos de pequenas estruturas, sem grandes meios, mas que mesmo assim podem servir de veículos para sustentar discursos perspectivos e prospectivos originais ou mesmo urgentes. Mas faltam ainda programadores e programas com a extensão, coerência, acuidade, persistência e sobretudo liberdade, que caracterizaram noutros tempos, politicamente bem mais adversos, o projecto da livraria alemã.
A história da livraria Buchholz (ou das livrarias) flui no rio da história e isto não é um eufemismo. Em Berlim, nos anos
Numa época terrível para livreiros e galeristas de arte moderna, Buchholz soube ir mantendo uma difícil posição de compromisso; Se por um lado participava nas acções de propaganda do regime por outro, sendo perito na pintura alemã de vanguarda da época. No texto citado na parte 1, sobre esse passado, lê-se somente: "a relação de Buchholz com o regime era algo dúbia pois tanto compactuava em manobras de propaganda alemã como salvava da fogueira obras de Picasso e Braque, condenadas pela fúria nazi." O conteúdo desta frase diz muito pouco sobre a verdadeira natureza desta colaboração dando ênfase ao salvamento a destruição das obras. A realidade dos factos parece, no entanto, ser outra.
Buchholz realmente vendeu muitas das mais famosas e importantes obras de "Arte Degenerada" mas a sua acção não terá sido tanto a de um salvador à imagem de um Schindler a la Spielberg. Karl Bucholz foi, de facto, um dos raros marchands a ser indicado pelo regime para comerciar tais obras. Conseguiu ou melhor, permitiram-lhe desse modo, resgatar muitos trabalhos que eram retirados dos museus e aparentemente evitar a sua destruição. A vantagem para ele era dupla. As obras iam sendo vendidas fora da Alemanha e desse modo, Buchholz conseguiria para além de bons negócios, construir uma rede internacional de contactos que lhe seria útil mais tarde.
Segundo Stephanie Barron (Modern Art and Politics in Prewar
A comissão extravasou-se e incluiu na selecção, não apenas obras anteriores a 1910 como outras da autoria de estrangeiros-não judeus, como Gauguin, Braque ou Picasso. “(...) The works not included in Entartete Kunst and those from the second round of confiscations were sent to
Buchholz foi instrumental neste processo. Teria de possuir capacidades de distribuição que assegurassem o sucesso da operação. Em 1939 a Alemanha prepara-se para a guerra e as receitas das vendas dessa "Arte Degenerada" de alta cotação internacional seriam bem recebidas e Buchholz tinha uma relação previlegiada com Nova Iorque, na pessoa de Curt Valentin. Valentin, judeu, igualmente comerciante de Arte, tinha iniciado a sua carreira com Buchholz em Berlim. Em 1937 emigra na companhia de muitos artistas plásticos (incluindo Grosz) para os EUA. Em Nova Iorque funda uma nova galeria à qual chama Buchholz em honra de Karl, de quem chegara a ser sócio.
Curt Valentin, era uma personagem controversa, defendida em 1942 por Alfred Barr director do MOMA como um bom americano. “Mr. Valentin is a refugee from the Nazis both because of Jewish extraction and because of his affiliation with free art movements. banned by Hitler. He came to this country in 1937, robbed by the Nazis of virtually all possessions and funds” (na imagem). No website do MOMA lê-se também - “Widely respected as one of the most astute dealers in modern art, Valentin organized influential exhibitions and attracted major artists to his Gallery. His enthusiasm for sculpture is obvious from the artists and exhibitions he selected. Valentin also published several distinguished, limited edition books in which the writings of poets and novelists were "illustrated" by a contemporary artist.”
No entanto hoje sabe-se que Valentin não tinha o currículo assim tão limpo como Barr quereria fazer crer. “On November 14, 1936, the Nazi Reich Chamber of Fine Arts gave a secret written authorization to Curt Valentin, Alfred Flechtheim’s former assistant, to –… make use of your connections with the German art circle and thereby establish supplementary export opportunities, if [this is done] outside Germany. Once you are in a foreign country, you are free to purchase works by German artists in
Sabe-se então hoje que Valentin emigrara já como espião. Em 1944, porém, todo o recheio da sua galeria seria confiscado pelas autoridades americanas como propriedade do inimigo. “By 1942, Barr certainly knew that his statement on Valentin’s behalf was completely false. Clearly, Barr was protecting MOMA’s source of Nazi-looted artwork. (…) On September 16, 1944, as published in the Federal Register, the
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Sobre a natureza da relação de Buchholz e Valentin, um relatório do Philadelphia Museum of Art sobre a proveniência do Proun 2 (1920) de El Lissitsky, refere que; “Four prominent German dealers were appointed to market the inventory of confiscated works, including Karl Buchholz. (…) this painting (a de Lissitsky) was assigned to Buchholz, owner of the Buchholz Gallery in
Neste relatório, verdadeira ponta de iceberg, percebe-se de uma só vez, não apenas a importância das obras que neste período dramático passaram pelas mãos de Buchholz e o networking internacional que criou mas também e ao mesmo tempo a dúbia posição que este ocupava então na vida cultural alemã. As suas acções trancenderam claramente a mera "propaganda".
Todas as histórias podem ser lidas por varios lados pelo facto simples que a verdade dos factos produz multiplos significados. Por isso, se por um lado o livreiro-marchand pode claramente ser acusado, no minimo de oportunismo, tal atitude permitiu a subsistência de um ilhéu de sanidade mental no meio do horror. A livaria Buchholz era, nas palavras de Werner Haftmann, “um oásis miraculoso no meio do abominável clima cultural da Berlim de então, na qual as pessoas se podiam refugiar um pouco do poder omnipresente e inflexível, através da liberdade criativa e a sensação de conforto. Os artistas e apreciadores de arte que viveram em Berlim durante esses terríveis anos têm hoje da galeria uma agradecida memória.” (Haftmann, para além de um especialista em arte moderna alemã, foi sob a direcção de Arnold Bode o responsável teórico das três primeiras Documentas).
Veio inevitavelmente a guerra e com a guerra, para além do fim da possibilidade de negócios, vieram os bombardeamentos. Em