quarta-feira, 10 de junho de 2009

Rouge de Veneza
















Inaugurada que está a Bienal de Veneza deste ano e após a polémica versada sobre a escolha para a representação Portuguesa, o resultado é visível para todos. É de altíssimo nível a qualidade da proposta de João Maria Gusmão e Pedro Paiva. Sente-se um forte sentimento de realização nas palavras dos que participaram. De todo o lado chovem elogios. Como admirador de longa data do trabalho de ambos não me admirei com o resultado mas fico feliz. Neste dia 10 de Junho, sinto-me feliz por uma vez ou outra a representação cultural deste país lá fora não envergonhar. Para uma situação que se partidarizou em prós e contras e simplesmente por achar o trabalho de ambos muito bom não me foi muito difícil tomar uma posição.

Ao longo do processo, particularmente após o momento em que se soube da escolha final da dupla para Veneza e de Natxo Checa, fui lendo na imprensa e noutros canais críticos as reticências expressas sobre a decisão. Fazendo um vol d’oiseau sobre as argumentações percebe-se claramente que incidem sobretudo no modo como se foi desenrolando o processo de decisão, mas não apenas. Algumas das críticas incidiram veladamente sobre a escolha em si. Foi esta a razão que me fez querer escrever sobre o assunto. O ponto central da minha argumentação é simples: Um dilema corrente da ética questiona se um fim justificará os meios. No caso presente, neste caso presente, o fim justificou plenamente os meios. Os meios serão neste caso o processo tal como foi dirigido pela Direcção Geral das Artes (DGA) e Jorge Barreto Xavier, vulgo – “O Estado” (!) e Natxo Checa. O fim é o fruto (a exposição) obtido com o trabalho de JMG e PP.

A crítica que se acirrou sobre a escolha teve três alvos à escolha. A DGA, Natxo Checa e os artistas propriamente ditos. Partiu também de um pressuposto que me parece excessivamente empolado. A Bienal de Veneza entendida como uma espécie de instância consagradora de carreira. Começo por aí; não me parece que a Bienal seja assim tão fundamental, ou melhor; não o deveria ser. É uma exposição importante, mais ou menos como uma espécie de festival da canção para a Arte. O grande e evidente problema parece ser mais, no meu ponto de óptica, a falta de promoção que o Estado português (e privados, porque não?) faz dos esforços criativos portugueses inter pares, ou seja; - lá fora. A Bienal de Veneza apenas, é muito pouco. E era por aqui que a crítica deveria por começar a fazer a guerra. Alguns fazem.

A questão por detrás do debate aceso é que na verdade, é mais importante a visibilidade nacional que a Bienal dá a um artista do que a visibilidade internacional. Para consumo interno é um marco, como um prémio independentemente da qualidade do que se exponha; internacionalmente os frutos dependem muito da força do trabalho em si. É aqui que a importância da Bienal se deve colocar e relativizar.

Portugal participa, desde há alguns anos, sempre, mas nem sempre bem e quase sempre com polémicas mais ou menos insignificantes. Esta, aliás, em face dos bons resultados visíveis, foi mais uma delas. A participação na Bienal de Veneza não pode ser entendida como um prémio de carreira mas sim como uma embaixada de promoção real das artes portuguesas (e que falta faz!). Que vão lá os realmente melhores ou trabalhos que provoquem e influam e não fetiches locais que não vão fazer nada mais do que nivelar consensos ou servir para consumo interno de sensibilidades de alguns coleccionadores e eminências pardas.

Outro lugar comum é o da associação da ideia de consenso democrático à de res-publica; uma das razões mais invocadas pelo lado do desacordo teve a ver com o modo como se chegou à escolha final. Questiona-se sobre a pertinência ou perigos de uma mão presente do estado na escolha dos artistas. É uma falsa questão. Uma escolha é sempre um acto autoral e autoritário, seja ela oriunda do Estado, leia-se agora Barreto Xavier, ou de qualquer outro agente privado delegado para o fazer. Mais uma vez. Importa antes e sempre avaliar a qualidade da escolha.

O que é que a democracia tem a ver com qualidade poética? E consenso? Nada disto me parece simples - Neste caso prefiro a ideia de uma autoridade que se exibe como tal e se responsabiliza por uma opção. Se a DGA tivesse nomeado um qualquer outro campeão de carreiras artísticas e este por sua vez escolhesse de novo um consagrado valor daqui, para que ninguém pudesse dizer mal e sair bem na fotografia, provavelmente tinha havido menos latim deitado à rua. O reverso da medalha, seria quase de certeza, uma exposição invisível no conjunto do concerto das nações. Era isto que no final era importante evitar e salvaguardar a melhor participação possível face aos olhos exteriores. Note-se; uma relativa viabilidade comercial lá fora nada tem a ver com a qualidade efectiva de um trabalho necessária aos objectivos de uma bienal como a de Veneza.

A polémica começou com a escolha de Pedro Costa. Sendo realizador, tal escolha motivou uma onda de protestos de ordem corporativa. Depois, quando esta opção deixou de ser viável a seis meses da abertura da Bienal, caiu-se em cima da DGA que deve ter reunido imediatamente o gabinete de crise. Deixava-se a questão num ar já com um aroma de irresponsabilidade; quem aceitaria ir à Bienal nestas condições? A decisão foi uma surpresa para todos. Talvez também por isso mesmo, pelo inédito, esta tenha criado tantas resistências.

O resultado conjunto das circunstâncias foi a acusação posterior dirigida a João Maria Gusmão e Pedro Paiva terem apressadamente aceite e assim “salvado a face” do governo para em pouco, muito pouco espaço de tempo montar um projecto. Em suma; foi feita uma acusação velada de oportunismo e isto apesar do artista “ser um bom artista”. Mas porque não salvar a face ao governo, Estado, DGA, Barreto Xavier ou seja lá quem for? Porque não aceitar um desafio e uma oportunidade importante de impulsão internacional de carreira? - Penso que Pedro Paiva e JMG fizeram muito bem em aceitar. Exactamente por serem bons e terem consciência disso. Além disso quem não aceitaria? Talvez e apenas, por escrúpulo profissional, quem nada tivesse preparado para o fazer. E não era de todo esse o caso.

Outra Polémica; - quem nomeou quem? Foi Natxo Checa que escolheu JMG e PP ou foi a dupla que escolheu Natxo Checa? Foram escolhidos os três ao mesmo tempo? Na verdade esta questão pouco me importa ou incomoda. A origem da decisão, evidentemente, esteve numa das melhores (segundo alguns, a melhor) exposições de 2008 em Portugal; a Abissologia na Cordoaria. Foi produzida pela ZDB e comissariada por Natxo Checa. Desde o início da década que os dois artistas e o director da Zé Dos Bois colaboram com frutos evidentes. A escolha deste trio para representar Portugal foi quase, logo ali, uma aposta ganha. Porém o director da ZDB foi um dos alvos preferenciais da crítica. Porquê? Nunca se percebeu bem. Tem mau feitio, é um facto. No entanto à frente da ZDB, tem quase 14 anos de experiência de produção e comissariado. Poder-se-á não gostar do estilo de coisas que a ZDB opera. Mas há um cunho autoral forte em quase tudo o que o Natxo dirigiu nesta associação. Foi mais do que justa por si só a sua nomeação como comissário para a Bienal. Quanto a separar as águas? Quem terá capacidade, autoridade intelectual, para o nível destas escolhas, dizer e decidir quem é capaz ou não, quem tem qualidade ou não? Mais vale que seja alguém do governo a quem os decretos conferem, por lei, esses poderes. Eu não sou de certeza. Limito-me a ter preferências e gostos. Inclinações veementes, no máximo.

O elo mais difícil de atacar pelos críticos do processo foi mesmo o dos artistas e do seu trabalho. Acusou-se João Maria Gusmão e Pedro Paiva de serem novos, de não terem maturidade suficiente e serem devedores de trabalhos de outros (e quem não é?). No fundo de constituírem ambos uma escolha desadequada para o cadafalso da consagração, como se na realidade alguém se consagrasse por decreto, como com uma medalhinha do 10 de Junho. Nada nem ninguém tem nada a ver com isso ou então somos todos que temos a ver com isso. É o trabalho de ambos que os vai consagrar, diga-se ou escreva-se o que se escrever. Tal é inevitável.

2 comentários:

  1. gonçalo, tens que sair das terras lusas para arejar a cabeça.
    É sem dúvida um óptimo trabalho e sem esquecer o trabalho de edição do catálogo da parte do Mattia. A escolha tardia não foi só para o pavilhão português, o de Singapura, do Ming e Tang, um dos melhores em Veneza. A acrescentar que em Singapura foi aberto um concurso público, um passo que falta em Portugal e em muitos outros países. Achei, em geral, a bienal fraca e por isso o trabalho do joão e pedro está mesmo muito bem, parabéns à dupla e ao Mattia.
    abraços xana

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  2. Gonçalo, parabéns pelo excelente texto e pela lucidez!
    Beijinhos*

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