domingo, 3 de maio de 2009

Arte sobre Crítica (1ª Parte)

















Fechou hoje (2 de Maio) uma exposição que terá tido menos projecção na imprensa do que a sua autora eventualmente desejaria. Injustamente. Passemos aos dados: “A Escolha da Crítica” comissariada por Lígia Afonso inaugurou em 26 de Março último na Plataforma Revolver em Lisboa. Poderia ter funcionado como uma verdadeira plataforma para se estabelecer algum debate que se desejaria sobre esta matéria. Não foi e tal não me espanta: Não é fácil passar de um enunciado artístico e do seu estado de “santuário” ou seja, a habitual suspensão do juízo orientado para o texto motivador de uma obra, -para o enunciar nu e cru de declarações críticas à instituição num debate. Se tal fosse possível, isto é; se pudéssemos encontrarmo-nos com Miguel Carneiro, Paulo Mendes, João Pombeiro, Susana Gaudêncio, Miguel Palma, Pedro Cabral Santo, Ruy Otero, Eduardo Matos, Sara&André, João Tabarra, Pedro Amaral, Mafalda Santos, Pedro Barateiro e João Fonte Santa numa espécie de mesa redonda, provavelmente manifestar-se-ia nesse momento e lugar a grande dificuldade de se estabelecer em discurso directo, crítica institucional a partir de uma das partes essenciais na produção da arte, ou seja - o artista.

A livre expressão do pensamento crítico sobre o sistema que qualquer profissional integra não é fácil, sobretudo perante uma plateia informada e mais ou menos interessada ou potencialmente hostil. Normalíssimo e humano tudo isto, mas imaginemos que não; que este grupo de artistas era loquaz e quase sincero no modo como nos apresentariam as suas ideias. Tínhamos então aí uma discussão e das grandes em torno de vários problemas preliminares à avaliação do trabalho em si.

O primeiro problema coloca-se com o lugar ocupado pelo autor, o “eu” do discurso. Alguns destes artistas são mais “consagrados” do que os outros e para além disso têm todos diversas idades, proveniências, histórias e técnicas diversas de trabalho, como frisa bem Lígia Afonso no texto de apresentação. A posição de subordinação ao sistema de cada um é por isso ligeiramente diferente, mas nunca deixa de ser uma posição subordinada. Por outro lado, se a responsabilização ou juizo sobre uma declaração, um texto numa obra de arte é suspensa pela imposição de um juizo estético, tal não acontece já no discurso puro e simples. O que escrevo aqui não é uma obra de arte. Se o organizasse ou apresentasse de outro modo, noutro contexto, talvez se pudesse tornar nisso - arte. Mas desconfio que, nesse caso, a efectividade crítica não se manteria. Na verdade qual a efectividade de uma crítica, escrita como tal? Num jornal talvez a tenha ainda. Na televisão? Talvez ainda sim… Dependerá então, para lá do conteúdo e muito, do canal da sua difusão. Esta seria outra discussão. Por agora importa sublinhar esta dúvida; Será uma galeria ou um museu o canal indicado para uma efectividade crítica da institucionalização da arte?

A segunda questão tem a ver com o facto de quase toda a enunciação crítica institucional da arte, sobre o “mundo da arte”, esconder a consciência geral que este mundo está feito com o outro maior - o “mundo cão”, ou seja; todos nós, artistas, curadores, críticos e outros, de tendência geralmente de esquerda ligamos a palavra instituído à palavra “culpado”. Este é um complexo moderno de má consciência dos intelectuais sobre o generalizado falhanço reformista e revolucionário dos últimos 200 anos. O que se instituiu por detrás de todos os programas emancipadores foi sempre a vontade oculta de poder. Este facto lança um fantasma sombrio não apenas sobre a instituição em si mas sobre a própria autoridade crítica.

No debate imaginário com os artistas presentes nesta exposição a questão que eu faria a partir dos trabalhos apresentados e destas dúvidas iniciais seria então; “Que poderemos nós esperar de uma crítica institucional feita nos moldes presentes; qual a sua efectividade?”

A resposta à realização efectiva da crítica, ou seja, à provocação de resposta do criticado, nunca se dá. A instituição não se incomoda minimamente com texto de nenhum dos trabalhos que ali estão expostos. È mais um género temático do mesmo tipo de outros como a pintura orientalista - É giro, exótico e fica bem. Na verdade aqui sucede algo parecido com o que sucede no processo dialéctico entre mainstream e alternativa mas com uma diferença capital. A crítica institucional realizada como obra de arte por ser assim não é efectiva enquanto a alternativa, ao instituir-se muda pelo menos os gostos dominantes. O mundo da arte, plural, aceita quase tudo, e a arte sobre crítica institucional faz a instituição parecer bem. À partida, seja qual for o teor da crítica expressa, a partir do momento em que é considerada como obra de arte, é automaticamente aceite pela instituição que a homologou como tal. A arte crítica institucional entra automaticamente num paradoxo conducente à sua inefectividade. Por isso sublinho ser esta arte não crítica, mas sobre a crítica.

O sentido do trabalho de Paulo Mendes e que origina o título da exposição – as clássicas fotografias de estantes de casas de críticos de arte influentes em Lisboa em inícios dos anos noventa do século passado lança alguma luz sobre este último parágrafo. Ver este trabalho como crítico apenas pode ser lido ao nível do interesse do próprio artista virar-se para um dos factores que determinam o seu sucesso – a crítica. A novidade está aqui presente na execução de uma sociologia fotográfica sobre os livros (serão algumas encenadas pelos próprios?) de onde críticos se sustentam para o seu trabalho. É este olhar, realizado pela “vítima” subordinada ao instituto da arte – o artista. A ambiguidade sente-se logo ao percorrermos com o olhar a profusão de lombadas de títulos legíveis indiciando áreas de estudo determinantes da época e nas quais a geração de Paulo Mendes se formou (media studies, pós-estruturalismo, estudos sociais). Estaremos talvez, não tanto apenas perante um retrato intelectual de críticos mas talvez mais de um retrato geracional do próprio artista e do seu círculo onde estão incluídos já e bem se vê, - os críticos. E verdade que o título da obra “The Critics Choice” lança algum líquido corrosivo sobre tudo mas a ambiguidade permanece. O trabalho poderá então não ser lido como institucionalmente crítico mas sim institucionalmente celebratório da recente institucionalização de uma geração de jovens turcos na qual Paulo Mendes era uma das figuras mais importantes. (continua…)

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