quarta-feira, 27 de maio de 2009

O Fim da Buchholz (I)














"A Livraria Buchholz, lugar de referência do nosso(pequeno) universo cultural encontra-se em situação de pré-falência. Agradece-se a todos quantos a frequentaram que a voltem a visitar, de vez em quando. Comprar um livro que não se encontra em mais lado nenhum pode, eventualmente, ajudar a reerguê-la. Agradece-se que passem esta informação aos amigos e interessados."

O aviso não serviu de nada: - "Declarada insolvente por sentença judicial a 22 de Janeiro de 2009, a Livraria Buchholz acabaria por fechar portas a 23 de Abril, colocando no desemprego nove trabalhadoras com salários em atraso. Considerado um espaço de referência na divulgação de obras nacionais e estrangeiras, a Livraria Buchholz está prestes a ver todo o seu conteúdo ser leiloado" - No meio ficou a polémica da utilização abusiva do nome da livraria; a existência ou não de uma sociedade financeira "fantasma" que supostamente a adquiriu e acabou por ajudar à sua ruína. Tudo isso pode pesquisar-se na web.

Quando a Byblos acabou a sua curtíssima carreira não terá sido uma surpresa para a maior parte das pessoas, dado o seu gigantismo e falta de acessibilidade. O fim da Buchholz è bem mais grave e triste. Foi uma das livrarias mais bonitas de Lisboa, com os seus amplos andares bem proporcionados e forrados de livros até ao tecto. No andar de baixo tinha uma muito bem escolhida discoteca e biblioteca sobre música. Nos bons tempos do vinil era talvez a melhor discoteca de música erudita "e folclórica" de Lisboa; perdi muitas horas por lá. Era um desses espaços cujo hábito acaba por marcar, "formar" o gosto, talvez devido a essa ligação estranha entre a espacialidade em si, a luz, os livros e o som e as evocações de títulos e imagens de capas que nunca corresponderam á estética do best-seller, características dos pavilhões da Leya e de tudo ao qual o popular empresta a sua pior face.

A Buchholz era uma livraria elitista, a mais tremendamente elitista de todas. Sempre que lá entrei senti a expectativa de uma qualquer possível revelação que invariavelmente acontecia, na secção de música ou obviamente, de arte. Por outro lado a arquitectura interior e uma certa "gravidade" do espaço ligaram-me sempre no imaginário a esse outro lugar que nos anos setenta foi isolada a ilha de contemporaneidade no mar do atraso nacional. Refiro-me ao ambiente do edifício central da Gulbenkian. Esta impressão de similitude talvez seja causada em mim pela importância que sinto em ambas as concepções espaciais das linhas horizontais mas mais ainda e muito fundamentalmente pelos detalhes e pela similitude das minhas descobertas num e noutro sitio. Também fez-me lembrar por vezes o museu de etnologia... existe qualquer coisa de similar entre todos estes raros lugares que não consigo exactamente precisar. Por fim para alguém que cresceu na euforia americanóide dos anos oitenta e no meio do triunfo desmesurado do anglo-saxónico, o nome "Buchholz" era um segredo dito na língua dos malditos derrotados. Ao entrar na Livraria lia-se essa severidade hard-core de preceptora teutónica em todas as expressões das pessoas que aí trabalhavam. não sei se seriam alemãs. Provavelmente foi a minha imaginação a levar tipicamente, a melhor.

Esta foi a minha experiência desarmada dentro da Livraria. Após o curso e na investigação que realizei sob a direcção do António Rodrigues para a exposição “Anos sessenta, anos de ruptura” (1994) confrontei-me com a história desse lugar e, involuntariamente obtive respostas para as razões desse fascínio antigo. O que pretendo fazer, é publicar aqui algumas notas sobre essa história. Esta não é tanto sobre a Buchholz livraria mas mais sobre a Buchholz galeria, que esteve instalada desde 1965 no andar de baixo. Foi de facto, sem qualquer forma elegíaca de exagero, muitíssimo importante o que se passou em finais de sessentas na cave do numero 4 da Rua Duque de Palmela, para a memória do que foi a ruptura experimental nas artes em Portugal em direcção a um percurso cronologicamente paralelo às vanguardas internacionais.

1 comentário:

  1. Mea culpa. Vi o aviso e nunca lá pus os pés. Enfim, a ignorancia às vezes paga-se caro. Venha essa texto então, para erguer o que ainda é possivel erguer acerca desse nome.

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