domingo, 29 de março de 2009

Heimo Zobernig



A exposição de Heimo Zobernig no CAM é uma exposição curiosa, uma espécie de “ensaio encenado”; com o que isso implica de (cerebrais) ligações com a história, teoria e discursos da arte. Concretamente, pensar o fazer artístico parece ser o que está em causa. Não sei se o desfecho desse pensar é optimista... irónico é, seguramente.
A primeira impressão da exposição foi de familiaridade; a anterior “Fundação” de Pedro Cabrita Reis é fortemente evocada pela disposição do espaço, pelo seu uso cénico. Essa evocação não é casual, mas isso não percebi logo.
Tive a sorte de apanhar uma visita guiada a meio, a qual acompanhei, tendo assim acesso a uma série de informações úteis – por exemplo, que a colecção de cadeiras dispostas em cima do estrado que ocupa uma parte da sala, são pintadas com uma tinta dourada utilizada para marcar pedras tumulares.
Várias cortinas Chroma Key (R, G e B) dividem diagonalmente o espaço do CAM, delimitando duas áreas; de um lado das cortinas estão obras das Colecções Gulbenkian e Tate St.Ives. Desse lado estão ainda 4 telas da autoria de Zobernig.
Do outro lado das cortinas estão as restantes obras do artista: pinturas, plintos vários, uns inacabados ou meio pintados; um deles é pintado com alcatrão e coberto de penas, sujeite a esse antigo castigo. Há vídeos - num o artista cambaleia desnorteado, noutro o artista compõe e recompõe, incansável, panos Chroma Key à volta do seu corpo nu. Há uma parede falsa, um espelho partido, as cadeiras douradas... na sua maioria, as obras são construídas com materiais pobres, e têm ar precário.
Das obras das duas colecções, as que estão expostas nos dois pisos, são apresentadas por ordem cronológica; as obras bidimensionais estão rigorosamente centradas e espaçadas. A leitura, por ordem crescente, faz-se da primeira sala à direita do piso inferior para a última sala à esquerda do piso superior.
A primeira obra é datada de 1900 (ou antes indica sec.XIX-XX, mas sendo que a primeira realmente datada é de 1909, podemos supor que a intenção dessa primeira é assinalar o ínicio do século), a última é de 1996 (uma pintura de Paula Rego).
À esquerda dessa tela de Paula Rego, há uma coluna (elemento arquitectónico do edifício); aí, perto dessa coluna, um pano de cortina Chroma Key acaba a sua travessia diagonal pela sala. No espaço triangular criado pela cortina e a coluna, meio escondida, está uma última obra da Colecção Gulbenkian, uma obra de Pedro Cabrita Reis, produzida para a exposição “Fundação” em 2006 (The White Room (about T.S.Eliot)).
A percepção dessa obra atinge; relações começam a parecer evidentes: a obra de Cabrita Reis é a única que de alguma forma partilha os dois lados da cortina.
Voltar a descer para a sala principal é perceber que essa tela paira, do alto do seu balcão, sobre a metade da exposição que está atrás (ou a frente) das cortinas - o lado do artista. Passa a ser impossível não sentir a sua presença vigilante, interagindo com o resto da exposição.
Homenagem ao artista Português? Ou à evidência de que essa exposição - “Fundação” - foi um ponto de charneira na história (de arte) do CAMJAP (pelo menos na história recente). Ou talvez “homenagem” não seja... Mas antes uma (redobrada) constatação da tremenda dificuldade de Criar? Tarefa tão mais dura quanto mais pesa o legado de um século de História da Arte, Moderna e não só.
É curioso voltar a olhar para as telas de Zobernig que estão do lado de cá (ou de lá) das cortinas; o lado da história. Uma é um pano Chroma Key vermelho esticado numa grade, pintado de branco, deixando apenas os bordos na cor original; Outra está simplesmente em branco, apenas pano e subcapa. Outra parece, em ponto grande, os trabalhos feitos nos tempos livres da escola, experiências com cola, brilhantes, bolinhas de esferovite, cascas de pevides, aparos de lápiz; por último uma tela grosseiramente pintada de verde.
Todas são pinturas falhadas, enquanto apenas pinturas.
Esta será a questão central deste trabalho - um artista que se debate com a Arte, questionando a dificuldade (ou talvez a utilidade) de criar algo que Permaneça?
Que permaneça como permanece a história da arte, como permanecem as pinturas, desenhos e esculturas das colecções.
É uma apresentação irónica - e inteligente - de um artista que olha a história e os seus mecanismos; o apagamento a que somos sujeitos e a vontade de o contrariar através de Obra.
Ganha outro sentido o ralo de Gober na primeira sala da exposição, essa mesma onde está um quadro intitulado “The Room in which Shakespeare was Born”.


PS. Curioso também é o confronto que se sente ao deixar a sala de exposições principal e entrar na sala de exposições temporárias onde estão expostas as magníficas encáusticas de Rui Vasconcelos.

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