sexta-feira, 10 de abril de 2009

Escritos de Artista (7)


Joe Coleman
(continuação) As artes deveriam e deverão estar na frente da batalha contra a especialização. Todos temos direito a exercer o pretensioso gesto de micro-demiurgia em cada desenho, mesmo que seja o mais obscenamente mau (o que será isso?) de todos os possíveis do mundo. Todos temos o dever de pensar, pensar e escrever até doer. E todos, todos exerceremos crítica, auto-crítica, crítica deste lugar, crítica da cultura. Reflectir a vida. Barthes ofereceu-nos essa passagem absolutamente luminosa e simples na qual equipara a escrita a um acto notável de recusa do sistema alienante, ao último baluarte da resistência.

Em Portugal este quadro descrito e generalizado aqui em passos largos é mais apertado e estático. É-nos estranho querer escrever livremente e sentirmo-nos forçados a escrever uma dúzia de páginas a tentar justificar algo de muito simples; - o livre pensamento e a liberdade da sua expressão. Mas será que não a temos? Não. Penso que não. Não a tive durante dez anos em que fui professor no ensino superior; ou talvez seja melhor postar isto de outra maneira; - se dissesse tudo o que pensava sobre o modo de fazer ensino de quem nos dirigia, perderia o emprego. As coisas são assim. Pelo menos na função pública, pelo menos nas empresas privadas. E com isto, já é uma grande parte da população activa que não pode vir para o meio da rua dizer o que pensa sobre o seu directo superior. No mundo do trabalho das nossas democracias do consumo e do mercado neo-liberal as coisas passam-se exactamente assim: é facílimo dizer mal do ministro… mas ai de quem critica mal um chefe do departamento onde trabalha!

Afinal o tema deste ensaio está aqui contido: quais as condições de existência da liberdade de expressão e as suas consequências?

Deixo de ensinar e dedico-me calmamente ao exercício dessa insigne e gordurosa arte que funciona a óleo. Não fiquei estúpido como um pintor. No momento em que renasce em mim a vontade de investigar, olhar, pensar sobre o que se vive e experimentar, comunicar aos outros o que daí venha e vai-me então surgindo gradualmente um problema: Escrevo; critico - faço o que já fazia noutro blogue sem nada de novo vir daí. E porque não fazê-lo com outros? Porque não incitar outros artistas a escrever sobre o que pensam e sentem sobre o mundo profissional onde vivem?

A resposta não é a que o senhor liberal bem-pensante e bem-intencionado poderia querer imaginar que fosse. No mundo das artes português existe medo. Exagero? Estarei a ver coisas? Muitos dirão que sim. Mas a resposta está na análise pura e simples sobre as estruturas de produção no mundo português das artes e as relações de classes produtivas resultantes desse processo. Marx again! (continua...)

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