segunda-feira, 13 de abril de 2009

Escritos de Artista (8)



(Boum Boum!) Miralda/Benet Rossel


(continuação) Efectua-se agora uma descrição rápida das componentes do pequeno mundo português da arte, de montante a jusante, ou seja, do início de uma carreira artística à sua consagração. Duas cidades constituem os centros artísticos portugueses. O Porto tem períodos de exuberância relativa da situação artística e um âmbito alternativo acalorado, mas esta expressão “alternativa” constrói-se em relação ao mainstream lisboeta. Lisboa é de facto a capital da cena artística portuguesa e será aqui focalizada esta análise. Observando os currículos da maior parte do intervenientes descobrem-se duas instituições secundárias especializadas; a Soares dos Reis e a António Arroio; três escolas superiores; FBAUL, FBAUP e ESAD/CR e duas privadas, o ARCO e a Maumaus. Estas duas últimas constituem, mais do que escolas verdadeiras, em plataformas de inserção profissional no interior das quais se realizam contactos, produzem-se portfólios e posturas. Existe então uma oposição entre a academia das escolas do estado, onde os professores são na maior parte as vezes inodoros mas onde se encontram as melhores cabeças discentes em bruto por serem as propinas relativamente baixas e, pelo outro lado, entre estas pequenas estruturas “empresariais” sustentadas em subsídios e parcerias com fundações e outras fontes de mecenato. Nestas pequenas escolas os alunos pagam propinas elevadas e não são, caso geral, potencialmente tão bons mas são levados em ombros através de uma orientação rigorosa fornecida por verdadeiros e actualizados practioneers (artistas, curadores e críticos) para o sucesso da inserção profissional no mercado de arte. Muitos alunos das academias, após a licenciatura, ingressam nestas escolas, não pela aprendizagem mas sim e exactamente pelo trabalho de introdução social que estas estruturas produzem de modo assumido. Por outro lado com a criação de mestrados e pós-graduações, as academias desde à muito fechadas ao exterior, abrem agora espaço a uma maior cooperação com o mundo profissional da arte pela inclusão de críticos ou artistas proeminentes nos seus seminários.

Após o lançamento por meio de uma exposição-portfólio o jovem artista corre então sérios riscos de ser absorvido pelo mercado. Os galeristas, atentos a exposições de finalistas e aos conselhos de personalidades que respeitam, armados das condições que podem oferecer, abordam os jovens artistas para uma primeira exposição. Existem outros meios de promoção sem ser pelas galerias. Os concursos com prestígio como o EDP, Anteciparte, BESphoto e outros, ou a exposição anual sete artistas ao décimo mês na Gulbenkian constituem uma rampa de lançamento importante. Para além de galerias existem de vez em quando espaços não comerciais onde uma ou outra colectiva obtêm notoriedade. Actualmente os espaços da Avenida da Liberdade 211 ou o pavilhão 28 do Júlio de Matos são exemplos disso.

Com vinte e cinco, aos trinta e dois, trinta e três anos o jovem artista está naquilo a que se chama “o meio”. Já tem trabalho feito e mostrou capacidades. Talvez já tenha um prémio e esteja representado numa boa galeria. Talvez consiga já viver do que faz sem recurso às aulas ou a outro trabalho qualquer. Ou ainda não, e esteja a ter aulas num mestrado de curadoria de arte ou de ciências humanas mas a participar nesta e noutra exposições colectivas; a rodar. A pergunta que se tem de fazer agora é a seguinte; de que factores depende a progressão de uma carreira artística? Em primeiro lugar, o óbvio e o mais importante de todos – o trabalho. Podemos entender esta resposta a dois níveis; a da disciplina, a tenacidade demonstrada na investigação, na gestão das experiências ou por outro lado no próprio carácter poético e estético desse trabalho. Os outros factores são maioritariamente exteriores á esfera laboral do “atelier”, formando então as contingências das relações de produção.

Em primeiro lugar temos as relações com outros artistas. Existe uma hierarquia, “capelas”, “círculos”, associados por sua vez a certas figuras da crítica ou a personalidades dominantes. O motivo mais importante para a agregação de pessoas num grupo destes terá a ver com, mais ou menos, as mesmas razões para a existência de gangs juvenis, mas aqui numa versão mais adulta – o estilo, o modo de se viver, expressar, os livros que se lêem – em suma; as referências. A fidelidade entre amigos é tardia nestes círculos e os conflitos ou rivalidades acontecem como em qualquer outro grupo profissional. O modo obsessivo como um artista vive o seu trabalho e com a sua imagem faz com que a primeira coisa que procure no outro seja o conhecimento não apenas do seu trabalho mas muitas vezes do status que este ocupa. A relação entre artistas de grupos diferentes tende a ser cautelosa, um tipo de circunspecção tribal. Assegurar uma base de respeito sólido e alargado entre pares é fundamental. Nada aqui difere muito do que sucede entre advogados ou gestores de empresa. É a velha máxima do “diz-me com quem andas dir-te-ei quem és.”

Na relação com os semelhantes surge uma primeira dificuldade face ao objecto deste texto: a crítica ao trabalho do outro é muito complicada. O conhecimento pessoal de alguém impede-nos de dizer verdadeiramente o que sentimos sobre o seu trabalho, particularmente quando esse sentimento é de desamor. A proximidade amolece a expressão da sinceridade. Num meio alargado tal problema não surge. Vejo uma exposição em Berlim, na galeria tal e coiso, e posso escrever cobras e lagartos do que vi. Em Lisboa, mesmo que não se verta veneno no teclado e se pretenda escrever uma crítica ponderada e bem-intencionada, a procurar o debate e o diálogo, corre-se o risco de se ter um inimigo pessoal jurado. Se a tradição anglo-saxónica do ensino artístico induz à prática da autocrítica e à crítica entre colegas tal prática, após esse afortunado e correcto período educativo não se sustenta na realidade da produção profissional a não ser entre amigos e, mesmo nesse caso não é fácil.

Qualquer trabalho exposto, a obra, é um acto público, uma exibição ou expressão de um intento, pulsão, visão da vida, sociedade, política. É também um acto de retórica com uma gramática precisa. Sendo público torna-se legitimamente um alvo de crítica. Para o autor criticado, na pior das hipóteses, gerar-se-á frequentemente a impressão de que se está individualmente a ser atacado. Depois tentar-se-á descobrir as razões que fomentam a crítica. Neste ponto de vista por vezes, ao invés de se realizar uma critica do próprio trabalho, a comparação das obras, backgrounds e lugar ocupado por crítico e criticado é realizada. A crítica originará então quase imediatamente uma crítica de contestação ao trabalho e obra do crítico e estabelece-se então um duelo, na grande parte das vezes, de baixíssima qualidade intelectual. Para este texto queremos partir do princípio de que a crítica realizada é construtiva, embora destacando questões menos boas ou que deixem questões irresolutas sobre a obra focada. Neste caso a atenção do autor do trabalho mencionado deveria incidir sobre o texto, sobre o que revela do entendimento que se tem do objecto em si, dos próprios erros que encerra. A crítica é ela própria um trabalho público e como tal, alvo de crítica. Uma das vantagens de um blogue sobre um jornal é a possibilidade de se realizar uma resposta rápida ao que se escreve. (continua...)

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